Foto: Ascom / APOINME |
Segue abaixo, relato dos técnicos Tiago Silva
e Thiago Oliveira sobre a visita de acompanhamento técnico e fiscalização dos
projetos apoiados pelo GATI/FUNAI/PNUD e pela Carteira Indígena nas Terras
Indígena Córrego João Pereira e Queimadas.
Esta visita marca a volta do técnico Tiago
Silva, desta vez prestando consultoria ao GATI, às comunidades Tremembé, após um
período em que foi praticamente obrigado pela coordenação da FUNAI a se afastar
das aldeias Tremembé injustificadamente, devido a questões que até hoje não foram
devidamente compreendidas. Mas o importante é que a reinserção de Tiago já representa
um novo ânimo para as aldeias Tremembé, que estavam sem acompanhamento algum
nos seus respectivos projetos.
Abaixo a descrição de Tiago Silva sobre
a retomada dos trabalhos e em seguida o relatório das visitas ao Córrego João Pereira elaborado
por Thiago Oliveira.
Relato de
Tiago Silva
Depois de
uma longa novela, acredito que dessa vez as coisas possam estar um pouco mais
favoráveis para a realização de trabalhos junto às aldeias Tremembé. Acredito
que um dos maiores problemas de nossa sociedade é a comunicação ou a falta
dela. Por isso fomos "quase" que obrigados a nos afastar dos
trabalhos com a comunidade. Porém, como sabemos o caos é necessário para
desorganizar e posteriormente reorganizar. Depois de longos 12 meses,
retornamos à comunidade, porém, dessa vez, um pouco mais animados.
Há cerca de
02 meses, recebi uma ligação de Isabel Modercin, bióloga, assessora do Projeto
de Gestão Ambiental em Terras Indígenas - GATI, fruto do esforço conjunto
do Movimento Indígena, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e do
Ministério do Meio Ambiente – MMA, com o apoio do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, para colaborar em atividades com os
Tremembé (para saber mais sobre o GATI, clique aqui).
Esse contato
foi feito através de Luís Gustavo, da Carteira Indígena/Ministério do Meio
Ambiente - MMA, que nos indicou para auxiliar no trabalho de Isabel junto
a Terra Indígena Córrego João Pereira, visto que é a única TI. do Ceará que foi
inserida no GATI por ser homologada.
Após alguns
dias de conversa via email juntamente com as lideranças locais (Francisco
José), o coordenador da CTL-FUNAI de Itarema (Antonio Neto), com o total
apoio do PNUD, via projeto GATI (Isabel), pudemos viabilizar uma visita de
campo, que teve como objetivo: reunir com as lideranças locais e identificar os
projetos que estão em funcionamento ou por acontecer, procurando possíveis
gargalos para a sua não execução e encontrando soluções para os mesmos.
Foram 07
dias de trabalhos, que iniciamos a partir do dia 24 de outubro de 2012. Ao
chegar na aldeia eu, Thiago Oliveira (companheiro de trabalho), Isabel e
Alexandre Pankarurú (representante da APOINME) que estava na parte de
comunicação dos trabalhos, fomos recebidos com um almoço delicioso preparado
pela esposa de Afonso, vice-presidente da Associação de São José. Em seguida,
nos sentamos no alpendre para vermos um mapa que ele tinha feito da TI.
Afonso mostrando o mapa a Isabel/GATI e ao técnico Thiago Oliveira |
Depois fomos
participar de uma reunião com as lideranças indígenas das 4 aldeias do Córrego
João Pereira: Cajazeiras, São José, Capim Açu e Telhas. Contamos com a
participação de cerca de 15 pessoas e a representação de 3 associações, exceto
o Conselho Indígena do Córrego de Telhas, que não se fez presente. Nos
apresentamos, nos conhecemos e falamos sobre dos projetos em andamento e os que
estão por vir dentro da TI.
Reunião na Associação da aldeia São José |
Relatório da Visita – TI. Córrego João Pereira
Thiago Oliveira
1° Dia –
24/10/2012
Ao chegar na
comunidade realizamos uma reunião que teve como intuito principal a discussão
das seguintes pautas:
- Apresentação dos participantes;
- Apresentação e discussão dos projetos do Córrego João Pereira (em andamento e os não iniciados), com ênfase no projeto da aldeia São José aprovado pela Carteira Indígena/MMA e pelo GATI/FUNAI/PNUD.
Foram elencados os seguintes projetos:
- Preservação dos Serrotes que são áreas utilizadas para retirada de madeiras para construção de casas, frutos nativos, caça e local de encontros espirituais (encantados);
- Formação de 10 Agentes de Agricultura Ecológica - ADAE, pela Fundação CEPEMA;
- Beneficiamento de Frutas, através de produção de polpas e doces;
- Quintais Produtivos (Nutritivos);
- Implantação da Cerca Viva com Sabíá (Mimosa Caesalpinefolia) por todo o perímetro da TI, em parceria com a FUNAI;
- Projeto de Irrigação para plantio de 05 hectares de coco (aldeia São José);
Na oportunidade,
os participantes da reunião discutiram a situação dos projetos desenvolvidos na
terra indígena, sobretudo, o projeto da aldeia São José aprovado pelo GATI/Carteira
Indígena, cuja situação está comprometida pelo escasso acompanhamento técnico
destinado às famílias envolvidas, pois conforme relatado, a FUNAI atualmente
conta com apenas um técnico disponível para atender as demandas de assistência
técnica das aldeias indígenas de todo o Ceará, de modo que a carência de
pessoal dificulta o trabalho de acompanhamento dos projetos nas aldeias.
Os projetos
relatados são os que possuem financiamento a fundo perdido, neste caso foram
relatados, dois projetos de irrigação um para a Associação do Córrego do João
Pereira, sendo que este já conta com todo o equipamento e estrutura para viabilizar
a produção desde que se faça uma proposta de readaptação a realidade, desejo, e
necessidades das famílias envolvidas.
O segundo
projeto, referente ao plantio irrigado de coco, se configura como o ponto
principal e motivo da presença do Técnico Tiago Silva Bezerra, que desempenhou
atividades anteriores nas comunidades de Telhas e Queimadas, entre os anos de 2009
e 2011, em parceria com a prefeitura municipal de Acaraú, e em virtude deste
trabalho e do seu conhecimento sobre a realidade dos Tremembé de Queimadas e
Córrego João Pereira, foi convidado a realizar a readaptação deste projeto de
irrigação dentro de uma perspectiva agroecológica, visando a agrobiodiversidade
de alimentos produzidos para a segurança alimentar das famílias e a venda do
excedente de produção em feiras e/ou através de compras governamentais, tendo
como base de gestão o controle social exercido pela comunidade e assessorado
por parceiros, respeitando o protagonismo das comunidades.
Foi
mencionado pelo grupo a intenção da construção de uma cerca viva perimetral na
aldeia utilizando o Sabiá (Mimosa Caelsapinaceae) em cerca de 32 km de
extensão, pois os mesmos enfatizaram que o arame farpado comumente utilizado na
construção de cercas tem um significado muito forte, pois representa o
latifúndio e, por sua vez, os conflitos gerados no passado contra os grileiros
que atuaram na região por muitos anos.
Foi verificado
também o projeto de mudas destinado para a Associação do São José/TI. Córrego João
Pereira, sendo que este foi colocado para ser viabilizado em uma área de 0,5
hectare, mas quando deparado com a realidade mostrou-se grandioso a tal ponto
que poderá implicar dificuldades de manejo diante de sua área total voltada
para a produção, pois devido a experiência na produção de mudas, dependendo da
espécie utilizada, do tamanho de saco de muda, dentre outros fatores, 1m2
é o suficiente para produzir cerca de 1.000 mudas, em virtude disto
provavelmente uma área bem menor corresponda as expectativas referentes a este
projeto, que na verdade também precisaria ser revisto.
Deste encontro
foram retirados os seguintes encaminhamentos da reunião:
Ver locais prováveis para implantar o projeto
de Irrigação da Aldeia de São José;
Visitar os projetos desenvolvidos em Telhas e
Queimadas (a título de experiências já em funcionamento).
2° Dia
25/10/2012
No dia
seguinte fomos realizar as visitas de campo, conhecer os lugares tradicionais e
sagrados do Córrego do João Pereira como o serrote e as matas ao seu redor que
são destinadas a preservação, mas chegando ao local, empiricamente podemos
tirar a impressão que o local sofre intervenções humanas com a retirada de
madeira por seus habitantes, apesar de Seu Afonso afirmar que a área não sofre
intervenção há bastante tempo. Como se pôde constatar, o extrato da vegetação mostra
que a mesma possui uma vegetação muito rala para ter um pousio tão longo. As
principais plantas nativas encontradas no percurso foram a Ubaia, Bacumixá,
Jatobá, Pau D’ Arco, Umburana de espinho etc.
Foram
visitados os três pontos de onde a comunidade de São José deseja implantar a
área de irrigação. Nos três locais foram feitas considerações a respeito das implicações
da escolha de cada um dos locais. Foi sugerido que esta deliberação passasse
pela apreciação comutaria na assembleia da associação com a participação de
todos e todas, posto que se trata de uma importante decisão.
Na parte da
tarde visitamos a aldeia Telhas/TI Córrego João Pereira, em especial a casa de
Seu Tota, indígena agricultor e escavador de poços da comunidade, tendo este
feito mais de 90 poços, beneficiando famílias de sua e de outras comunidades. Além
de dominar esta habilidade, Tota é um agricultor agroflorestal sensibilizado com
a proposta de cunho ecológico e replicador deste conhecimento dentro de sua
comunidade.
No final da
tarde visitamos a TI. Queimadas, em particular os quintais da Senhora Marluce e
de Evaldo, ambos agricultores agroecológicos que vem trabalhando com a produção
orgânica mas sem certificação dos alimentos
3° Dia
26/10/2012
No terceiro
de dia foi realizada uma oficina para a reformulação do projeto escrito originalmente
pelo técnico da FUNAI para o plantio de coco em sistema irrigado. Como a proposta
foi aprovada, mas com ressalvas, principalmente pelo caráter da proposta
inicial, que da forma como foi construído não contemplava a aplicação de
princípios agroecológicos, como exige a Carteira Indígena. O projeto inicial
previa o sistema de plantio solteiro, com irrigação utilizando maquinários e
insumos agrícolas para o preparo da terra, de modo que o projeto apresentava
mais proximidade com o modelo de produção exercido nos lotes do Perímetro Irrigado
do Baixo Acaraú. Deste modo, o GATI e a Carteira Indígena solicitaram que a
proposta fosse reformulada a partir de uma práxis ecológica e sustentável á
longo prazo, pois a produção convencional baseada no modelo do agronegócio com
o decorrer do tempo torna a terra improdutiva e escassa em sua fertilidade
natural devido a adição de agroquímicos no cultivo agrícola.
Ao
iniciarmos a oficina foi feita a apresentação dos participantes externos (no
caso, os técnicos Tiago Silva Bezerra e Thiago Oliveira Gomes), o motivo de nossa
presença e um breve resumo da atuação profissional de cada um. Em seguida,
todos os presentes fizeram sua apresentação falando livremente a respeito do
que esperavam do dia, sua vida em comunidade, etc. Ainda pela manhã, foi feita
a releitura do projeto expondo as condicionantes que haviam sido impostas, os
pontos que mais chamaram a atenção do público foram:
Formação dos
participantes;
Na elaboração
inicial, partia-se do pressuposto de que a comunidade já dominava a técnica de
plantio da cultura do coco, o que foi prontamente rebatido pelos participantes
que pontuaram que não resta dúvidas sobre a habilidade de plantar coco nos seus
quintais, mas em se tratando de cultivo em larga escala e num sistema irrigado,
é necessário a capacitação, item este que o projeto inicial não contemplava.
Cerca viva e
adubo;
O outro
ponto é referente à construção de uma cerca perimetral, cujos valores orçados são
insuficientes para tal. O projeto também não contempla a compra de adubo para
preparo do solo.
Depois de
feita a leitura do projeto os mesmos colocaram as suas considerações a
respeito, e fechamos a parte da manhã.
À tarde, nos
reunimos com um grupo maior, que foi aumentando no decorrer da oficina,
principalmente pelos homens que estavam trabalhando durante o dia e que foram encerrando
suas atividades ao longo da tarde.
Esta parte foi
dedicada a realização de uma dinâmica de trabalho em dupla, que tinha como
intuito principal descrever as
atividades e conhecimentos agrícolas e pastoris praticados pelos Tremembé
do Córrego, isto é, o que estes sabem fazer referente a produção de alimentos,
entre frutas, legumes, tubérculos, frutas nativas, criação de animais, etc. O resultado
configurou-se como um grande mosaico de informações e conhecimentos localizados
e adaptados as suas reais necessidades quanto à vida em comunidade ao longo da
história dos indígenas na região.
Destaque para
a prática dos agricultores Tremembé de guardarem suas próprias sementes e nisto
serem autônomos no que diz respeito as sementes repassadas pelos órgão de ater.
Os mesmos reconhecem o valor e a importância de estarem sempre plantando os
cultivares de seus antepassados. Diante do conhecimento indígena, foi se
trabalhando a ideia de se praticar uma agricultura baseada na sustentabilidade
de base ecológica, utilizando e otimizando os recursos naturais locais,
principalmente os de cunho social, ambiental e produtivo.
Após a apreciação
do grupo, foi colocado para os mesmos a seguinte pergunta: o que desejo
produzir? Na coleta e sistematização das respostas fora colocado exatamente o
que foi mencionado na dinâmica anterior, ou seja, o desejo de se produzir uma
gama variada de alimentos citados pelos participantes anteriormente, pois foi
possível perceber que é mais fácil para eles investir naquilo que já sabem e
também porque a produção de coco possui um ciclo médio de produção entre 02 e
03 anos, o que implica pensar o que fazer durante esse lapso de tempo sem
safras.
Neste
aspecto, foi colocado para os mesmos que tendo uma área irrigada seria possível
fazer o plantio associado do coco com uma variedade de espécies alimentares,
pois os agricultores Tremembé já possuem habilidade para produzirem tais
alimentos. Deste modo, possuem de fato uma agrobiodiversidade alimentar que de
primeira mão servirá para a segurança alimentar das famílias envolvidas e também
uma economia para as famílias envolvidas na produção, pois reduz o custo com
alimentos comprados fora da terra indígena.
Diante do
exposto, foi sugerido e acatado por estes, a participação efetiva dos
participantes na proposta, a implementação de uma área irrigada em forma de
policultivo, explorando os diferentes níveis do solo para o cultivo de frutas,
verduras, hortaliças, legumes etc., seguindo uma proposta de estarem
implementando culturas de curto prazo (0 – 12 meses) de ciclo médio (01 – 03
anos) e de ciclo longo (03 – 08 anos), reconhecendo quais culturas produzem
nestes espaços de tempo e utilizando as informações geradas pelos mesmos.
O outro
ponto colocado foi quais as necessidades
que se terão futuramente. Foram elencadas algumas questões, dentre as quais:
a adubação, o preparo da terra, a comercialização dos produtos, a organização
comunitária etc. Na verdade, a intenção de ver estes itens objetiva ver o que
está ao alcance da comunidade resolver e o que se precisa estar buscando
através das parcerias. Posterior a essa discussão, foi colocado a importância
da comunidade estar firmando parceiras para poder resolver suas necessidades.
Ao final do
dia, foi feita uma breve avaliação e colocado a importância das pessoas estarem
presentes no dia seguinte, pois ficou definido que a área de produção será
construída de maneira coletiva, bem como a implantação do sistema de irrigação,
mas que a produção será por unidade familiar, ou seja, a área total será de 05
hectares de área irrigada e será dividida em 20 partes iguais que será destinada
às famílias envolvidas no projeto, onde cada uma terá como área disponível
2.500 metros quadrados de área para a produção de frutas, verduras, hortaliças,
legumes, grãos, tubérculos e o coco.
4º dia – 27/10/2012
No dia
seguinte foi realizada uma recapitulação da discussão do dia anterior com a
fala livre para quem quisesse comentar alguma coisa. Em seguida, foi traçado um
pequeno plano de trabalho sobre como seriam as ações. As discussões e deliberações
dos dias de oficina foram documentadas e registradas em ata com a assinatura
dos respectivos participantes do projeto. Inicialmente, 17 famílias se
habilitaram, restando 03 vagas para serem preenchidas por quem tiver interesse.
Foi marcada para o sábado, dia 03 de Novembro, uma assembléia interna para
relatar aos demais sócios o que aconteceu nesses dias e disponibilizar o
restante das vagas aos interessados.
Os dias
seguintes foram dedicados às visitas em Telhas e Queimadas, dessa vez para
tratar da situação dos projetos da Carteira Indígena em andamento nas duas
aldeias, referentes à chamada pública para as mulheres indígenas. As duas aldeias
apresentavam situações parecidas, sobretudo no que se refere à ausência de assistência
técnica na implantação dos mesmos, como também foram encontrados problemas
relacionados à gestão dos recursos.
As
lideranças de Queimadas e Telhas, e sobretudo as mulheres participantes dos
projetos, manifestaram o desejo de que Tiago possa retomar o trabalho de ATER
Indígena e acompanhar a execução dos projetos.
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