segunda-feira, 13 de abril de 2015

Etnologia indígena: vivências etnográficas de um grupo de alunos da UVA com os Tremembé de Queimadas e Almofala

Torém na noite de sexta-feira, Queimadas, 20/03/2015
Foto: Leomário Muniz

O que transcrevo abaixo são alguns fragmentos dos relatórios de uma brevíssima experiência etnográfica vivenciada por um grupo de alunos do curso de Ciências Sociais da UVA (Sobral), em sua maioria, da disciplina de etnologia indígena, ministrada por mim esse semestre. (havia também alunos de Antropologia Brasileira e Antropologia II que manifestaram interesse vivenciar a experiência). 
Minha intenção ao proporcionar esta experiência acadêmica (e pessoal) aos alunos faz parte de uma visão que compartilho: a de que para estudar etnologia indígena é imprescindível o contato direto com os povos sobre os quais nos debruçamos teoricamente, na sala de aula.
Ao longo da disciplina os alunos foram introduzidos em um dos campos de estudo fundadores da Antropologia Brasileira, que durante muito tempo foi confundido com a própria disciplina. 
Na literatura etnológica especificamente selecionada para os seminários, optei por priorizar agendas, temas e questões pertinentes a realidade dos índios do Nordeste, afinal, nenhum outro contexto regional seria tão útil para aprender etnologia desconstruindo visões, esterótipos... 
Com este objetivo, nada mais pertinente que a culminância das discussões e descobertas relacionadas ao universo das populações indígenas ocorresse com uma experiência de campo em algum grupo específico. Por questões óbvias, o grupo escolhido foi os Tremembé. Mas faltava ainda decidir onde, especificamente, seria esse realizada essa experiência de três dias de campo.
No universo das distintas situações étnicas, não envidamos esforços para que os alunos tivessem a oportunidade de conhecer pelos menos duas terras indígenas, com processos históricos, fundiários e socioculturais diferentes. Assim, iniciamos a viagem em Queimadas e finalizamos em Almofala.

Para além das questões e obrigações acadêmicas (os alunos devem entregar um relato etnográfico da visita que valerá com uma das notas da disciplina), outra motivação, talvez mais importante, é a de que precisamos diminuir a distância e o desconhecimento das populações indígenas, sobretudo no Nordeste, onde ainda é comum o pensamento "de que não existem mais índios". Junto desse desconhecimento, outra questão urgente é a desconstrução do imaginário colonial acerca das populações indígenas, anacrônico, porém, ainda muito presente.

Alunos atentos para ouvir as lideranças indígenas, Queimadas, 21/03/2015
Foto: Ronaldo Santiago

Pois bem, esse post não se encerra na primeira publicação. À medida que forem sendo entregues, irei gradativamente inserindo fragmentos dos relatórios dos alunos. Eles tem caráter educativo, pois expressam impressões de alunos que em sua maioria nunca tiveram contato, nem acadêmico nem pessoal, antes de participarem da disciplina. Além disso, tem também caráter pedagógico, na medida que constituem um exercício etnográfico no campo e na escrita.

Neste sentido, inicio com fragmentos do relatório de duas alunas da disciplina de Antropologia II (3º período).


“Amei os tremembés, são pessoas simples, alegres nos receberam muito bem da criança ao mais velho, confesso que esperava uma comunidade bem menos desenvolvida, pois meio que levei comigo um pouco de preconceito acreditando que por ser indígenas, não havia desenvolvimento, porém voltei com outra opinião eles com certeza conseguiram tirar da minha cabeça aquele preconceito estereotipado que por ser índios tinha que está com frechas nas mãos ou nus.
A Elaine é uma mulher incrível, inteligente, lutadora; adorei ela. Amei todos eles! Confesso que na umbanda senti vontade de correr na hora que os seres encantados começaram a descer. Só não peguei nas mãos dos meus colegas que estavam perto de mim, porque não podia cruzar as mãos, mais eu meio que senti muito medo. Porém, depois que os seres encantados começaram a descer meio que me deu uma crise de riso, acho que foi um efeito do medo. Alguns minutos depois a crise de riso e o medo sumiram e apareceu um respeito muito grande pela umbanda, pois foi uma experiência única”.

“A noite teve apresentações das crianças da escola indígena, onde estes nos apresentaram uma dança indígena e houve a comemoração do aniversário da escola. Depois da apresentação das crianças ocorreu o torém, uma dança cultural dos Tremembé. As pessoas da comunidade, e nós visitantes, pudemos participar, no primeiro momento as pessoas da comunidade ficaram um pouco receosas para participar, acredito que foi por tem pessoas desconhecidas participando, ou seja, nós.
Porém, ao passar os minutos todos eles começaram a entrar na roda e participar da dança foi muito interessante, pois era basicamente dançar em roda, e fazer alguns passos que eram comandados pelo o som do maracá. No meio da roda ficam os torenzeiros que cantam e comandam o torém. Depois de alguns minutos a dança parava e todos que estavam na roda poderiam provar o tão esperado mocororó, um tipo de bebida fermentada de caju tinha um gosto um pouco estranho ao meu ver, porém foi percebido que é uma bebida bastante apreciada pelos visitantes como pela própria comunidade”.
Depois desta dança houve a apresentação do reisado, o reisado era formado por um grupo de músicos, cantores e dançarinos que brincavam um com os outros tirando prosas e também tinha a velha que não mostrava o seu rosto e todos ficavam em círculos tirando brincadeiras um com os outros. Depois de um momento de brincadeiras aparece o boi que consisti de uma pessoa com trajes parecendo com o boi”.

“Foi observado que eles respeitam a sua própria cultura e que não são iguais a gente, pois tudo para nós tem horários determinados e eles não. Na cerimônia da dança eles paravam e usavam um tempo que acreditavam ser necessário e no reisado também, não se preocupando com o horário, se demoraria ou não. A comunidade também participava com muita alegria”.

“Uma das senhoras da comunidade nos explicou sobre a lenda da lagoa encantada, aonde ela disse que alguns moradores já foram à procura desta lagoa e quase encontraram, pois um senhor viu uma planta molhada sendo que não tinha chovido nesse dia, e ele associou que poderia ser por causa da lagoa encantada, ele foi chamar os seus amigos, mais quando voltaram não encontraram mais esta planta. A lagoa encantada teria sido um pajé que teria encantado ela e que só uma pessoa que possuísse os poderes iguais ao do pajé poderia desencantar a lagoa.
Foi interessante perceber que para falar com as pessoas da comunidade tinha que saber perguntar, pois foi preciso fazer a mesma pergunta algumas vezes de uma maneira que eles pudessem entender a pergunta usando a sua linguagem”.
Andreína Carneiro
Disciplina: Antropologia II (3º semestre de Ciências Sociais)



“No dia 20 de Março de 2015 os estudantes do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú, juntamente com o professor Ronaldo Santiago Lopes, saíram da cidade de Sobral com o destino as comunidades dos índios Tremembé de Queimadas (Acaraú) e Almofala (Itarema), tendo como objetivo todos terem a oportunidade de uma experiência etnográfica, conhecer e vivenciar de perto a cultura indígena dos Tremembé.
Ao chegarmos à comunidade indígena de Queimadas fomos muito bem recepcionados pelas as lideranças locais, que se mostraram bastante alegres com nossa visita, desde as crianças aos mais idosos, muito receptíveis. Dirigimo-nos a um local no centro da aldeia, que normalmente são realizados encontros e momentos culturais da comunidade, onde ocorreu uma breve recepção com o pajé entoando cantos que fazem parte da cultura deles. Em seguida todos foram devidamente alojados em casas, centro comunitário e na Escola Indígena Tremembé de Queimadas”.

“Nesse caso a Escola Indígena Tremembé de Queimadas tem a função não somente de oferecer uma educação formal delimitada, mais uma educação sociocultural, onde as crianças desde cedo conheçam sua historia e identidade cultural e aprendam a valorizar e manter, dando continuidade às gerações seguintes assim como seus pais, avôs, bisavôs e etc. A escola passa a ser uma ferramenta essencial pra que a cultura dos Tremembé seja resgatada, vivenciada e repassada”.
Maria da Conceição Borges
Disciplina: Antropologia II (3º semestre de Ciências Sociais)

Roda de conversa, Queimadas, 21/03/2015
Foto: Ronaldo Santiago
Alunos com o cacique João Venâncio e pajé Luis Caboclo, Almofala, 22/03/2015

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Aldeia indígena Tremembé de Queimadas, festejou 9 anos de educação escolar indígena, dentro da aldeia...



Com muito orgulho, festejamos 9 ano de escola dentro da aldeia de Queimadas, e tivemos o prazer de receber alunos da UVA Universidade Vale do Acaraú, fizeram um trabalho de pesquiza, filmagens e conheceram mais sobre a realidade da aldeia Tremembé de Queimadas. O evento contou também com com visitantes do SESC de fortaleza, e de amigos de comunidades vizinhas e parentes Tremembé da adeia de Telhas  e Capim açú...

terça-feira, 7 de abril de 2015

Comunidades Tremembé da Terra Indígena Córrego João Pereira enviam projetos para o PPP-ECOS

As associações indígenas das comunidades de Telhas e do São José enviaram propostas para o edital do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais - PPP-ECOS, executado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza - ISPN.
"O PPP-ECOS concede pequenas doações a organizações sem fins lucrativos que tem caráter não governamental e de base comunitária para atividades que aferem benefícios ambientais e que resultem na melhoria da qualidade de vida das comunidades locais por meio do uso sustentável da biodiversidade, agricultura sustentável, manejo da água, recuperação de áreas degradadas, entre outras ações".


Rememorando: a construção dos projetos

As discussões em torno da construção de projetos para o PPP-ECOS se iniciaram em 2013, na chamada anterior, quando realizamos uma primeira oficina participativa de construção de projetos na comunidade de Telhas. Por questões de tempo e prioridade não foi possível enviarmos a proposta naquele ano. Na época, os Tremembé já apontavam suas demandas e quais áreas deveriam ou poderiam ser privilegiadas. Por se tratar uma atividade inserida em um conjunto de ações que vem sendo desenvolvidas desde 2009, as ideias sempre estiveram conectadas com o princípios da sustentabilidade ambiental, da governança e do protagonismo indígena.
Primeira oficina de construção do projeto para o PPP-ECOS (2013)
 
Chuva de ideias para o projeto (2013)

No entanto, desde aquela oportunidade foram construídos espaços de diálogo e discussão de ideias e propostas que culminaram na elaboração dos projetos apresentados pela Associação Indígena Tremembé da Aldeia São José – ASSINTRA, representando a gleba 01 da TI. Córrego João Pereira, e pelo Conselho dos Índios Tremembé do Córrego das Telhas - CITCT, representando a gleba 2. 
É importante destacar que a partir de 2013 passamos a contar com a colaboração da consultora do Projeto GATI Isabel Modercin, responsável pelo acompanhamento das terras indígenas da Área de Referência Nordeste I.

Oficina de agroecologia e gestão ambiental
Em 2014 o Projeto GATI e a FUNAI viabilizaram um curso de agroecologia e gestão ambiental na TI. Córrego João Pereira com carga horária total de 120 horas. O objetivo do curso foi de capacitar indígenas em agroecologia para implementação de projetos de base agroecológica na TI. Córrego João Pereira. Alternando momentos de atividades teóricas e de campo, o curso foi mais uma oportunidade para discussão de propostas que poderiam ser implementadas a partir de futuros projetos.


Os projetos
A partir do lançamento do edital PPP-ECOS, as duas comunidades se reuniram ao longo do último mês de março para as oficinas definitivas para a construção dos projetos enviados ao PPP-ECOS. Como as duas associações indígenas do Córrego João Pereira possuem trajetórias distintas no que se referem às experiências em projetos, como também infraestruturas diferenciadas, o projeto de cada comunidade procurou expressar as prioridades da instituição proponente no contexto atual.
Encontro com a comunidade de Telhas (21/03/2015)
Encontro com a comunidade de São José (27/03/2015)
Presença da consultora do Projeto GATI (ao centro) Isabel Modercin (27/03/2015)

A associação indígena da aldeia São José espera consolidar com este projeto o início de um processo de transição agroecológica no território através da recuperação de áreas degradadas com a implantação de sistemas agroflorestais. A agroecologia tem se apresentado para os Tremembé da comunidade local como uma ferramenta de grande potencial para enfrentar as principais problemáticas vivenciadas atualmente: a degradação dos solos, que ocasiona a diminuição da produtividade agrícola; o assoreamento dos corpos hídricos e a diminuição da biodiversidade da fauna em consequência de que a cobertura vegetal também está cada vez menos densa.
Já o Conselho Indígena de Telhas pretende ampliar uma experiência em curso relacionada à produção de alimentos para atender a demanda dos programas governamentais (PAA e PNAE) e de mercados locais, com o objetivo de viabilizar a comercialização de bebidas, doces e polpas a partir do beneficiamento do caju, com ênfase para a cajuína.
Veja abaixo a equipe técnica que assessorou as duas instituições proponentes e colaborou na elaboração dos projetos:

CITCT (Telhas)
Ronaldo Santiago - Antropólogo
Thiago Oliveira Gomes - Zootecnista e Agroecologista
Isabel Elisete - Coordenadora Geral do CITCT
Rosiane Nascimento - Professora e secretária do CITCT
André Sales Matias - Liderança indígena e Ex-Coordenador do CITCT

ASSINTRA (São José)

Tiago Silva - Zootecnista, Agroecologista e Pedagogo
Isabel Modercin - Antropóloga e Consultora do Projeto GATI (Área de Ref. Nordeste I)
Francisco José Oliveira - Liderança indígena e Ex-Presidente da ASSINTRA
Francisco Rodrigues - Atual presidente da ASSINTRA