quinta-feira, 21 de abril de 2011

Cultura e Saberes Tremembé: primeira Semana Indígena de Acaraú


Nos dias 18, 19 e 20 de abril, o Liceu de Acaraú promoveu a Primeira Semana Indígena com o tema "Cultura e Saberes Tremembé". O evento marca o pioneirismo da escola em promover e abordar uma temática ainda pouco trabalhada pelas escolas brasileiras e muito mal interpretada pela maioria da população que desconhece a realidade dos povos indígenas. O evento foi coordenado pela professora de Sociologia Raquel, que antes de assumir o magistério trabalhou com as comunidades Tremembé do município de Acaraú.
Na abertura do evento, dia 18, um grupo de alunas da escola apresentaram uma dança temática, representando a herança cultural indígena presente na musicalidade de alguns grupos musicais. Logo em seguida, foi proferida uma palestra pelo Pajé Luis Caboclo, da aldeia Varjota em Itarema.
Dança apresentada pelas alunas da escola
Palestra do Pajé Luís Caboclo
Durante sua fala, o pajé falou da herança cultural e histórica do povo Tremembé presente na população litorânea, sobretudo no baixo Acaraú. Segundo Luis Caboclo, não se pode negar a presença indígena na região, pois nem todos são aldeados, mas “tudo aqui tem sangue de índio”.
 Após a fala, os alunos do Liceu puderam fazer perguntas para o palestrante que foram prontamente respondidas. Temas como o matrimônio, a religiosidade e alguns costumes dos índios Tremembé foram abordados pelos alunos em suas perguntas.
No dia em que se comemora o dia do índio, 19 de abril, a programação foi iniciada com a dança de um grupo de alunas da escola. Em seguida foi proferida uma palestra pelo professor da UFC, Babi Fonteles, que coordena o primeiro magistério superior indígena do Ceará, em Almofala. Durante a palestra, Babi chamou a atenção para que os professores e a escola pública reveja algumas visões equivocadas e preconceituosas acerca dos povos indígenas, sobretudo, reconhecendo a etnicidade e atualidade da presença indígena no Ceará. Além disso, é preciso deixar de ver o índio como uma figura da passado, afirmando sua contribuição para a formação da cultura brasileira. Segundo Babi, os índios não contribuíram para a cultura brasileira; eles contribuem e irão contribuir com seus conhecimentos, tradições, rituais e práticas para a construção dessa nação multicultural.
Palestra do Professor Babi Fonteles
Bate papo com os alunos
               Em seguida o Cacique João Venâncio também falou para a platéia de alunos das escolas Liceu,  Marta Gifoni e Teresa de Jesus Silva, sobre a importância da identidade indígena Tremembé, afirmando que não pelo fato dos índios não andarem mais nus e não falarem mais a língua nativa, que deixaram de ser uma comunidade indígena.

Cacique João Venâncio

               A programação do evento teve seu ponto alto com a apresentação da dança do Torém pelos índios Tremembé da aldeia Queimadas, de Acaraú, conduzida pelo Cacique João Venâncio. Após o convite do Cacique, professores, alunos e convidados entraram na roda e dançaram o Torém juntamente com os adultos e crianças Tremembé de Acaraú. 


Momento da dança do Torém com os índios e a comunidade escolar

João Venâncio conduzindo o Torém
     


Pequeno índio na roda do Torém

No último dia do evento, o tema foi o processo de organização social da comunidade Tremembé de Queimadas. Algumas lideranças, membros do Conselho dos Índios Tremembé de Queimadas – CITQ, fizeram o histórico do trabalho que se iniciou em 2009 com a ajuda do CRAS e da Secretaria de Trabalho e Assistência Social de Acaraú e do Instituto Carnaúba.
O professor Cleiciano Tremembé, tesoureiro do CITQ falou sobre o processo de mobilização e organização interna que resultou na fundação do referido conselho que neste no próximo mês completa dois anos de existência.

Cleiciano Tremembé fala sobre a organização da aldeia Queimadas
A Coordenadora Geral Maria Mirtilene, discorreu sobre os projetos de geração de trabalho e renda que as mulheres de Queimadas estão inseridas, como o PAA e o PNAE, onde através da produção de bolos e tapiocas, estão garantindo o sustento de suas famílias.
Coordenadora do CITQ Mirtilene fala sobre o trabalho com as mulheres
O Conselheiro Evaldo Nascimento contou a experiência do trabalho de um grupo de índios da aldeia com a adoção de práticas agroecológicas no cultivo e manejo da terra. Evaldo enfatizou que depois que o grupo de agricultores mudou sua forma de lidar com a terra e passou a adotar a Agroecologia como base da produção agrícola, estão conseguindo construir sua autonomia econômica de forma mais sustentável. Como resultados dessa mudança, o grupo vem investindo na consolidação dos sistemas agroflorestais, produzindo legumes, frutas e hortaliças e plantas medicinais. Além disso, estão reflorestando e recompondo a mata nativa através da produção de mudas.
Evaldo fala sobre o sistema de produção e a questão ambiental
O Assessor Técnico Ronaldo Santiago mediou a apresentação dos indígenas, ressaltando a importância da organização indígena, colocando-a como principal motivo para a superação dos problemas da aldeia, como também para a melhoria significativa das condições de vida dos Tremembé de Queimadas.
Assessor Técnico Ronaldo Santiago ressalta a importância da organização indígena
A primeira Semana Indígena, foi uma iniciativa pioneira do Liceu de Acaraú e se configura como o início da construção de uma nova história sobre os povos indígenas, sobretudo os Tremembé, superando preconceitos, visões estereotipadas e cristalizadas sobre os índios. Além disso, iniciativas desta natureza, estimulam uma aproximação das comunidades indígenas com as escolas e seus agentes, contribuindo para que os índios ajudem a escrever uma outra história.

4 comentários:

  1. Apenas acho que quando se trata de trabalho em grupo principalmente quando se envolve comunidades indigenas (no caso telhas e queimadas) deve se manter uma posição relativa as mesmas,sinto que por algum momento esse blog deixou transparecer que nos leitores conhecemos mais sobre uma area do que outra, o que é uma pena pois,apesar de serem da mesma etnia(tremembé)cada comunidade certamente possui a sua particularidade.

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    1. Prezado Anônimo
      Você está correto na sua observação sobre a visibilidade maior da aldeia Queimadas. Entretanto, isso não se dá por um capricho ou preferência nossa. Trabalhei quase dois anos com as duas aldeias e, até onde pude, tentei fazer com que as duas aldeias caminhassem juntas, em todos os sentidos. Mas pra quem conhece um pouco da realidade de comunidades indígenas sabe que os conflitos e disputas internas acabam atrapalhando. Além disso, infelizmente, a comunidade de Telhas não dispõe de uma série de recursos (humanos, hídricos, políticos, etc) que em Queimadas existe (é só observar os projetos que estão sendo desenvolvidos lá). Uma das propostas do blog é divulgar ações, atividades, projetos que estão acontecendo nas aldeias e, inevitavelmente, as famílias de Queimadas tem se destacado mais. Isso não significa que essas ações também não venham a ocorrer em Telhas. Passaria horas explicando os motivos dessa conjuntura, se fosse oportuno.
      Apesar de estar distante, torço pelas duas comunidades, ajudando na medida das minhas possibilidades.
      Abraços

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  2. Estive presente na platéia deste evento e fiquei feliz pelos projetos e pelo acontecimento histórico no município de Acaraú da 1ª semana indígena do Liceu. Não sei das possibilidades, mas seria interessante que na 2ª semana indígena do Liceu de Acaraú haja um momento em quê grupos de estudantes possam ir até as aldeias de Telhas e de Queimadas para terem uma vivência em cada uma delas. Estive na última Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará e a experiência foi bastante singular, pois nos aproximamos de uma realidade bastante complexa e profunda que dispõe de conteúdos inefáveis, ou seja, que não possuem tradução em palavras escritas ou faladas, mas que são sentidos e vivenciados. Fica a dica.

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    1. Pois é Ronaldo Xará (ou Chará)
      Bom seria se o Liceu ou outra instituição dessem continuidade no evento. A Semana Indígena foi um evento histórico para os índios e para a cidade. Tomara que quem estiver lá tenha noção da importância de ações como esta. Quanto a conhecer as comunidades, elas estão lá, esperando quem queira conhecê-los.
      Abraços camarada!

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