sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Índios e Soberania: Dalmo Dallari


Vale a pena divulgar a posição coerente de Dalmo Dallari!


Estabelece a Constituição brasileira, no artigo 12, que “são brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil”. Assim, é mais do que óbvio que os índios nascidos no território brasileiro são brasileiros, com todos os direitos da cidadania brasileira. A par disso, é também evidente que a ocupação de terras por brasileiros, índios e não índios, em qualquer parte do território nacional e segundo as normas da legislação vigente, merece todo o respeito e toda a proteção, por ser expressão jurídica da soberania do Estado brasileiro sobre seu território. Por incrível que pareça, isso que é claramente disposto em normas constitucionais está sendo ignorado por um senador da República, que, na defesa apaixonada dos interesses do agronegócio, chegou ao absurdo de afirmar que a manutenção dos índios em seus territórios tradicionais põe em risco a soberania brasileira.
            De acordo com o que está expressa e claramente disposto no artigo 231 da Constituição, “são reconhecidos aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Os índios não são proprietários dessas terras, que integram o patrimônio da União e são inalienáveis, como estabelece o mesmo artigo 231. Tudo isso está sendo ignorado pelo senador Aldo Rebelo, que, eleito pelo Partido Comunista do Brasil, vem agindo contrariamente aos fundamentos programáticos de seu partido, defendendo com persistência e reiteradamente os interesses do agronegócio, assumindo posições contrárias aos interesses do povo brasileiro. Com efeito, na condição de relator do projeto de reforma do Código Florestal, o senador Rebelo propôs e defendeu com grande veemência disposições que, como tem sido demonstrado, são claramente contrárias ao interesse público.
            Afrontando os princípios e as normas básicas, internacionalmente consagrados, que recomendam o uso das terras de modo a preservar o meio ambiente, as posições por ele defendidas priorizam escancaradamente os interesses econômicos do agronegócio. É oportuno assinalar que, surpreendentemente, suas posições seguem a orientação adotada pela senadora pelo Estado de Tocantins Kátia Abreu, que acaba de ser reeleita presidente da Confederação Nacional da Agricultura. Assim, além de introduzir no projeto de Código Agrário disposições que fragilizam a defesa do meio ambiente, o senador Aldo Rebelo defendeu também a concessão de anistia aos praticantes de crimes ambientais já condenados ao pagamento de elevadas multas. Isso significa que, além de não serem punidos pelo grave prejuízo que causaram ao meio ambiente, esses infratores deixarão de pagar muitos milhões de reais que são devidos ao povo brasileiro sob a forma de multas impostas pela autoridade federal. Esse prejuízo ao povo é direto e mais do que óbvio, sendo absolutamente contraditória sua defesa por um mandatário do povo eleito pelo PCdoB.      
            Culminando nas contradições, o senador Aldo Rebelo publicou artigo no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 19 de outubro, no qual se manifesta contra o respeito à diversidade cultural e diz que com a concessão, às comunidades indígenas, do direito ao uso dos territórios que tradicionalmente ocupam, o Estado brasileiro “perde a soberania para dispor do território”. É curioso que o mesmo raciocínio não seja aplicado aos grandes proprietários de áreas rurais, que, além de serem proprietários — enquanto os índios são apenas ocupantes das terras em que vivem e a propriedade é da União — usam seu direito de modo contrário aos interesses do povo brasileiro, agredindo o meio ambiente e sendo sistematicamente perdoados e dispensados de pagar as quantias devidas pelas infrações cometidas. Neste caso se poderia dizer com maior propriedade que o Estado brasileiro está abrindo mão de seu poder de dispor soberanamente sobre seu território, pois as regras por ele estabelecidas não são respeitadas, e isso não gera consequências. Em resumo, a permanência nas terras que tradicionalmente ocupam e delas fazem uso para residência, atividades produtivas e bem-estar, bem como para “sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, tem fundamento na Constituição, que é expressão da vontade do povo brasileiro. E essa ocupação por cidadãos brasileiros índios é uma forma de exercício da soberania do Estado brasileiro.  

Dalmo de Abreu Dallari é jurista - dallari@noos.fr
Jornal do Brasil27/10/2011




terça-feira, 18 de outubro de 2011

TERRAS E TERRITÓRIOS INDÍGENAS NO PPA 2012-2015


 Ricardo Verdum
Assessor de Políticas - Inesc
verdum@inesc.org.br
www.inesc.org.br

O Plano Plurianual 2012-2015 enviado ao Congresso Nacional no final de agosto está dividido em 65 programas temáticos, com 491 objetivos e 2.503 iniciativas. Para sua execução, o Governo federal prevê um investimento global de aproximadamente R$ 5,4 trilhões. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM) são anunciados como as duas principais prioridades do PPA, que serão objeto de tratamento diferenciado ao longo dos quatro anos. Visto no conjunto, o novo PPA revela uma vontade de trabalho ambiciosa, com factibilidade ainda por ser verificada.
Com uma população estimada de 817.963 pessoas (IBGE, 2010), das quais 502.783 vivendo na zona rural, os povos indígenas são contemplados no novo PPA com um programa temático específico, contendo nove objetivos. Intitulado de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas no Brasil, nele o Governo prevê realizar um gasto global de R$ 3,676 bilhões. Em 2012, o orçamento proposto é de R$ 793,107 milhões, dos quais R$ 690,650 milhões para ações da Política de Saúde Indígena.
Se autorizado esse valor pelo Congresso Nacional, o orçamento desse programa em 2012 será comparativamente superior ao seu orçamento nos últimos quatro anos. Mas ocorrerá não por um aumento real de investimento, mas pela incorporação da ação de saneamento. Agora, se somarmos o que está previsto ser gasto em 2011 no programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas, mais o orçado na ação de Saneamento Básico em Aldeias Indígenas, veremos que o orçamento proposto pelo Poder Executivo para 2012 é cerca de R$ 27,4 milhões menor que o de 2011.
Além do programa Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas no Brasil, os povos indígenas aparecem como público alvo em 20 outros programas. Entre as mudanças promovidas nesse programa, uma é a inclusão da palavra “Direitos” no título; outra, é a inversão na ordem nas palavras “Promoção” e “Proteção”. Além disso, tivemos a incorporação da ação Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos. Também a criação de uma ação destinada aos indígenas “de recente contato”, com dotação orçamentária específica.
Para quem acompanha a elaboração e a execução dos planos Plurianuais ao longo da última década fica evidente que várias iniciativas contidas no PPA 2012-2015 não são de fato novas. Algumas são extensões de ações iniciadas em anos passados, outras estão ligadas a políticas de execução continuada, como é o caso da saúde indígena. Há temas novos, que emergiram com força nos últimos anos, com o REDD+ e o PSA, e que dão um novo colorido às iniciativas de gestão ambiental e territorial nas Terras Indígenas. Mas o que segue firme o seu rumo é a pressão sobre os chamados recursos naturais, presentes nos territórios indígenas.
Motivo de preocupação de uns e apreensão de outros, a mineração em terras indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos aparecem no novo PPA como metas específicas do Governo Federal. A aprovação do Projeto de Lei que trata da regulamentação da mineração em Terras Indígenas é uma meta do programa Gestão Estratégica da Geologia, da Mineração e da Transformação Mineral, sob a guarda do Ministério das Minas e Energia (MME). Além disso, no programa Licenciamento e Qualidade Ambiental, sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o governo quer promover o que chama de “aprimoramento dos mecanismos de licenciamento de empreendimentos com impactos em terras indígenas e comunidades tradicionais”. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) também tem metas específicas para o licenciamento: além de “viabilizar a participação indígena”, diz que pretende regulamentar a sua atuação como agente interveniente nas definições do componente indígena no âmbito do Licenciamento Ambiental.
Em nenhum momento é mencionada a aplicação do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos Povos Indígenas, de conformidade com o estabelecido na Convenção 169 da OIT, com poder de Lei no país desde 2003.
No tocante ao direito territorial dos povos indígenas, o Governo Federal estabeleceu como meta delimitar 56 terras no quadriênio, 21 na Amazônia Legal e 25 nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Prevê também emitir 45 portarias declaratórias da posse indígena de terras tradicionalmente ocupadas, o equivalente a 51% do número de portarias emitidas nos oito anos do Governo Lula da Silva, e a constituição de 8 reservas indígenas (“para atender os casos de maior gravidade de povos indígenas confinados territorialmente ou desprovidos de terras”). Estabelece, ainda, a meta de homologar 40 terras demarcadas, 24 localizadas na Amazônia Legal – isso equivale a 52% das homologações assinadas pelo presidente Lula. O PLOA 2012 propõe um orçamento de R$ 20,270 milhões para a ação de Delimitação, demarcação e regularização de Terras Indígenas.
O novo PPA prevê a realização de estudos e a localização de povos indígenas isolados, complementada com a estruturação de unidades descentralizadas da FUNAI e de frentes de proteção etnoambiental. Também a formulação de uma política específica de proteção e promoção aos povos indígenas recém contatados; a implantação dessa política em 11 terras indígenas jurisdicionadas às Frentes de Proteção Etnoambiental da FUNAI; e o monitoramento e avaliação dos impactos das demais políticas governamentais e não governamentais nessas 11 terras indígenas. Ela está direcionada aos grupos potencialmente afetados por obras de infraestrutura e aos grupos cujos territórios estão sendo objeto da cobiça de madeireiros, garimpeiros e do narcotráfico. Aos povos isolados, o PLOA 2012 propõe um orçamento de R$ 3,200 milhões; aos de recente contato, R$ 900 mil.
Promover a chamada gestão ambiental e territorial nas terras indígenas é outro objetivo previsto no novo PPA. Isso inclui a realização de uma Conferência Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras indígenas; a realização de diagnósticos da agrobiodiversidade local entre os povos Guarani, Khraô, Paresi e Xavante; e a estruturação de oito arranjos produtivos locais o acesso aos mercados e geração de renda (cinco na Região Norte e três no Nordeste). Fala-se ainda na implantação de 80 projetos de gestão ambiental; a implementação de 51 planos de gestão ambiental e territorial; e a implantação de processos e projetos de etnodesenvolvimento em 678 terras indígenas (46% na Região Norte). Associado a isso está a formação continuada de 300 gestores não indígenas e 300 indígenas. Em outro programa, intitulado Agricultura Familiar, encontramos a meta de contratar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para 15 mil famílias indígenas, sendo 6 mil na Região Nordeste e 4 mil na Região Norte. Ainda, a qualificação de 300 agentes de ATER para atuar junto às comunidades indígenas. O programa Biodiversidade também prevê uma série de metas e iniciativas relacionadas com os conhecimentos indígenas e o uso da biodiversidade nos territórios indígenas, com fins comerciais, e nos diferentes biomas.
O desmatamento é outro tema enfatizado no novo PPA. No quadriênio 2012-2015, o Governo Federal está se comprometendo com a meta de monitorar 20 terras indígenas com altos índices de desmatamento. Com esse fim, pretende estabelecer acordos de cooperação técnica com o objetivo de combater o desmatamento, os incêndios florestais e outros ilícitos socioambientais nos territórios indígenas. Diz também que quer criar o que chamou de “componente indígena” no âmbito da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), assim como promover uma maior participação indígena nas discussões e decisões relacionadas com a regulamentação do REDD+ e do pagamento por serviços ambientais. A elaboração de metodologias e parâmetros técnicos para um sistema de pagamento de serviços ambientais, para comunidades indígenas e outras populações rurais, é previsto no programa Agricultura Familiar. A execução desse programa é de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2012 prevê para a FUNAI, no âmbito do Programa Temático Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, um orçamento global de R$ 98,492 milhões. Na tabela a seguir apresentamos os valores propostos pelo Poder Executivo para serem aplicados na regularização fundiária e na gestão ambiental e territorial das Terras Indígenas.





segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Governo do Estado divulga Plano Safra 2011/2012 no Ceará

Corroborando uma postagem anterior, só que desta vez à nível estadual, segue abaixo notícia divulgada pelo Governo do Ceará sobre o plano Safra 2011/2012.


Lançar programas de benefício aos agricultores familiares é um objetivo permanente a ser perseguido no Estado. Exemplo disso é o Plano Safra da Agricultura Familiar 2011/2012, lançado nesta segunda-feira (10), no auditório do Palácio da Abolição, pelo governador Cid Gomes e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, e o secretário do Desenvolvimento Agrário do Estado, Nelson Martins. São R$ 650 milhões destinados ao Ceará por meio do Plano, dos quais R$ 350 milhões são para investimentos e R$ 300 milhões para ações de custeio, beneficiando 150 mil famílias. Esse valor é quase o dobro do ano passado, quando foram destinados R$ 370 milhões.


Durante a solenidade, foi assinado o termo de compromisso de execução do Plano Safra no Estado, além de entregues ordens de serviço de recuperação de 21 açudes em assentamentos federais, Planos de Desenvolvimento de Assentamentos (PDAs) e títulos de propriedade. Também foi levantada a questão do Programa Nacional de Combate à Pobreza Extrema, que tem relação direta com a agricultura familiar no Estado. “27% dos cearenses sobrevivem hoje da agricultura e pecuária e apenas 7% do PIB estadual é gerado por essas atividades. Aumentar a renda dessas famílias é ainda nosso maior desafio”, afirma Cid.



Segundo o Ministro, neste ano os recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) por meio do MDA foram ampliados para R$ 40 milhões. Serão reforçados também os recursos da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para R$ 19,6 milhões. Para o Governador, outra dificuldade na agricultura é a falta de qualificação na assistência técnica. “Estamos qualificando a mão de obra através da reabertura de escolas de agricultura e de cursos técnicos nas escolas profissionalizantes em cidades específicas”, explicou.



A parceria entre Governo Federal e Estadual garante cada vez mais desenvolvimento social às famílias de agricultores familiares. Hoje, o Ceará tem além do maior programa de regulamentação fundiária do Brasil, garantido escrituras de terra a muitos agricultores, também possui o maior programa de garantia safra. Serão até 300 mil pequenos agricultores beneficiados com essa medida, caso tenham perda superior a 50% da safra. O Governo Federal também apoia o Estado através de outros ministérios. Segundo Cid, até o fim de 2012, todas as famílias cearenses terão energia elétrica em suas casas, e até o fim de 2014, o Governo Estadual assumiu a universalização do abastecimento de água, em que todas as casas do Ceará terão pontos de água limpa.



O Ministro Afonso Florence explicou que todas essas medidas tem como objetivo desenvolver a agricultura familiar no Estado. “O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) teve a taxa de juros reduzida a 1% ao ano para financiamentos até R$ 10 mil e a 2% para acima de R$ 10 mil, quando antes a taxa era de 4%”, comemora. A agricultura familiar também é incentivada através do Programa Nacional de Alimentação Escolar, em que o governo federal garante que 30% dos alimentos sejam da agricultura familiar. No último ano, em Fortaleza, mais de 50% das escolas realizaram chamadas para as compras desses produtos. 


Lançado em julho deste ano, o Plano Safra aprofunda as políticas públicas de estruturação produtiva e geração de renda para a organização econômica, além de inovar os instrumentos de garantia de renda, como a criação da Política de Garantia de Preços Mínimos da Agricultura Familiar (PGPM-AF), que permitirá a utilização de instrumentos de comercialização para garantir que o produtor receba o preço mínimo do produto (pré-fixado no início da safra). A PGPM-AF vai possibilitar a compra a preços justos de produtos, que serão destinados aos estoques governamentais.


Estiveram presentes também na solenidade, o secretário da Pesca e Aquicultura Flávio Bezerra; o presidente da Ematerce José Maria Pimenta; os deputados federais Eudes Xavier e José Airton; os deputados estaduais Welington Landim, Antônio Carlos, Neto Nunes e Manuel Duca, além de lideranças do MST, Fetraerce, Incra, prefeitos e lideranças do interior do Estado.



MEDIDAS DO PLANO SAFRA DA AGRICULTURA FAMILIAR 2011/ 2012 PARA O BRASILCRÉDITO
Pronaf Investimento: redução de 4% para 2% ao ano dos juros das operações acima de R$ 10 mil; juros de 1% ao ano para operações de até R$ 10 mil; ampliação de oito para dez anos do prazo de pagamento.

Pronaf Mais Alimentos: redução de 2% para 1% ao ano da taxa de juros de financiamentos de até R$ 10 mil.

Microcrédito Produtivo Rural: ampliação do limite de crédito de R$ 2 mil para até R$ 2,5 mil por operação; o beneficiário pode acessar até três operações, totalizando R$ 7,5 mil.

Pronaf Agroindústria: aumento do limite de R$ 30 mil para R$ 50 mil nos financiamentos individuais; aumento de R$ 20 mil para até R$ 30 mil do limite individual de crédito para sócios/associados/cooperados; aumento do prazo de pagamento de oito para dez anos.

Pronaf Agroecologia: aumento do limite de financiamento de R$ 50 mil para até R$ 130 mil; aumento do prazo de pagamento de oito anos para até dez anos, com até três anos de carência.

Pronaf Eco: aumento do limite de financiamento de R$ 6,5 mil para até R$ 8 mil por hectare, limitado a R$ 80 mil por beneficiário em uma ou mais operações; aumento de R$ 500,00 para até R$ 600,00 por hectare da parcela de pagamento da mão de obra entre o segundo e o quarto ano de implantação do projeto.

Pronaf Cotas-Partes: aumento do limite de crédito individual de R$ 5 mil para até R$ 10 mil por beneficiário; passam a ser atendidas cooperativas com patrimônio líquido mínimo entre R$ 25 mil e R$ 100 milhões (antes era entre R$ 50 mil e R$ 75 milhões); aumento do limite de crédito por cooperativa de R$ 5 milhões para até R$ 10 milhões.



ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL (ATER)


Atendimento diferenciado a mil empreendimentos e 150 mil famílias da agricultura familiar (agroindústrias, cooperativas) para o desenvolvimento de processos de agregação de valor e renda
Oferta de serviços focados na organização da produção para a comercialização para 200 mil famílias;



Ampliação e qualificação dos serviços para 150 mil famílias beneficiárias de crédito rural na linha de investimento;


- Atendimento de 10 mil jovens rurais; e


- Oferta de serviços para 90 mil famílias em condições de extrema pobreza.



COMERCIALIZAÇÃO
- Criação da Política de Garantia de Preços Mínimos para a Agricultura Familiar (PGPM-AF), com destinação de R$ 300 milhões para regular preços em 2011.


- Ampliação do orçamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em R$ 194 milhões.

SEGURO
- Ampliação de 740 mil para 940 mil do número de cotas do Programa Garantia-Safra terá maior número de cotas disponíveis para adesão. O valor de cobertura aumenta para R$ 680,00.


Ampliação de R$ 5 mil para R$ 7 mil da cobertura dos custos de produção do Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF), que também passa a atender operações de culturas de laranja e tangerina.


10.10.2011
Coordenadoria de Imprensa do Governo do Estado

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Blog do DM: Infanticídio indígena e a generalização do racismo...



ANTA VIRA ELEFANTE NA TELEVISÃO
José Ribamar Bessa Freire



- Meu dia virou um terror, em todos esses anos, nunca tinha ouvido palavras tão pesadas e racistas”.

Quem humilhou Rosi estava indignado, porque no dia anterior havia presenciado o “assassinato” de crianças indígenas, cometido pelos próprios pais, que praticam o “infanticídio”, tudo isso exibido no programa Domingo Espetacular da TV Record. Felizmente, como nos filmes americanos, chega a cavalaria para salvar vidas ameaçadas por índios bárbaros. A missionária evangélica Márcia Suzuki, cavalgando a emissora do Edir Macedo –tololoc, tololoc– leva os bebês arrancados das garras dos “criminosos” para a chácara da igreja neopentecostal. Enfim, salvos.

As pessoas viram trechos do vídeo “Hakani” com o sepultamento de uma criança viva. A voz cavernosa de um narrador em off anuncia que se trata de prática generalizada: “A cada ano, centenas de crianças são enterradas vivas na Amazônia”. O xerife Henrique Afonso, deputado federal do PV do Acre, quer prender os “bandidos”. Faz projeto de lei que criminaliza o “infanticídio indígena”, invoca a Declaração Universal dos Direitos Humanos e apela ao papa Bento XVI para que “intervenha contra o crime nefando”.

Como tem gente boa no mundo, meu Deus! Mas sobrou para Rosi que viveu uma “segunda-feira espetacular”. Quase foi linchada. Não foi a única. Rosi é índia Waikhon –etnia conhecida também como Piratapuia. Mora na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e está de passagem por Manaus. É educadora e líder da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Escritora, participou de dois Encontros de Escritores Indígenas na UERJ. Ela faz um apelo:

- Gostaria de pedir aos senhores que não continuem usando o termo infanticídio indígena. Por favor, não aumentem o preconceito e o racismo contra nosso povo.

Xamãs e bruxos

Afinal, os índios cometem infanticídio? Essa é mesmo uma prática generalizada na Amazônia? Francisco Orellana, o primeiro europeu que cruzou o rio Amazonas dos Andes ao Atlântico, em 1540, viu coisas muito estranhas. A crônica da viagem –repleta de “domingos espetaculares”- conta que ele se deparou com elefantes em plena selva, comeu carne de peru, bebeu cerveja feita pelos índios e combateu as precursoras do infanticídio - mulheres guerreiras que matavam seus filhos homens. A Europa acreditou piamente em suas histórias.

Orellana, coitado, sentiu o mesmo problema do xerife Henrique e da cavaleira Suzuki: como descrever aquilo para o qual não tenho palavras? Orellana viu antas bebendo água no rio. Não existia esse animal na Europa, nem muito menos a palavra anta nos dicionários. Como dar conta dessa realidade desconhecida, nova e estranha? O bicho era grande? Era. Tinha tromba? Tinha. Então, ele sapecou: “vi elefantes”. Afinal, elefantes são grandes e tem tromba. O mesmo com as mulheres que combateu. Na Europa, mulheres não iam pra guerra. Então, Orellana recuperou o mito grego, que a Europa conhecia muito bem.

Esse processo de equivalência entre objetos conhecidos e objetos novos foi muito usado nos registros coloniais. Ele consiste em definir fatos representativos de uma cultura com símbolos de outra cultura. Mutum passa a ser peru, caxiri se transforma em cerveja, inambu vira perdiz e mulheres que trocam o fogão pelo arco-e-flecha são amazonas. Essa operação reduz e simplifica enormemente a diversidade e a riqueza cultural, porque o símbolo não consegue transmitir toda a sua carga de significado de uma cultura a outra.

Foi assim também com os pajés e xamãs, que não existiam na Europa e foram denominados de ‘feiticeiros’ pelos colonizadores, com conotações altamente negativas que o equivalente não tem. As consequências foram trágicas, porque se ninguém mata uma anta pra extrair marfim dela, feiticeiros e bruxos eram, no entanto, condenados à fogueira.

O infanticídio é crime punido por lei. Denominar de infanticídio uma prática cultural que desconhecemos e que nos choca não ajuda a entendê-la, oculta a anta e não revela o elefante, além de ser um convite para criminalizar os povos indígenas e condená-los à fogueira. Quando os antropólogos ou agentes de pastoral do CIMI chamaram a atenção para tal leviandade e para o erro em generalizar para todos os povos, a ONG Atini os acusou de defenderem o ‘infanticídio’ porque querem impedir a mudança cultural.

Os antropologos

Todos os antropólogos –todos– sabem que a cultura é dinâmica, isso faz parte do bê-á-bá da antropologia. Nenhum antropólogo –nenhum- se manifesta contrário a mudanças, até porque isso seria inútil. Ao contrário, o que os antropólogos estão dizendo, para horror do agronegócio interessado nas terras indígenas, é que índio não deixa de ser índio porque usa computador e celular. Mas a emissora do Edir Macedo grita espetacularmente contra os antropólogos, sem citar nomes:

“Há quem diga que a prática de matar crianças deficientes, gêmeas ou filhas de mães solteiras deve ser defendida para manter a cultura”.

Não cita o nome de um só antropólogo, nem o livro ou artigo de onde foi pescada tal “informação”, porque ela é falsa. Na realidade, o que se pretende é quebrar a parceria com os principais aliados dos índios na luta pela saúde, educação e demarcação da terra. A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), através da Comissão de Assuntos Indígenas, já havia publicado nota esclarecedora assinada por João Pacheco.

“O vídeo Hakani – diz a nota – não é um registro documental proveniente de uma aldeia indígena, mas o resultado de uma absurda encenação realizada por uma entidade fundamentalista norte-americana. Utilizado como base para uma campanha contra o infanticídio supostamente praticado pelos indígenas, tem também a finalidade de angariar recursos para as iniciativas (certamente mais “filantrópicas” do que filantrópicas) daqueles missionários”.

Diz ainda que a prática daquilo que estão chamando inapropriadamente de infanticídio entre os indígenas “são virtualmente inexistentes no Brasil atual”. Ali onde eram localizadamente praticadas estão deixando de existir com a assistência médica e a demarcação de terras, por decisão dos próprios índios, conforme esclarece Rosi:

-Sou indígena, meu povo também tinha essa prática, mas não precisou de ONG nenhuma intervir para mudarmos. Os gêmeos, trigêmeos e os deficientes indígenas da região em que vivo estão sobrevivendo sem intervenção de Ong. Por favor, não peçam dinheiro em nome do infanticídio indígena.

A nota da ABA reforça: “Por que substituir a mãe, o pai, os avós, as autoridades locais por uma regulação externa e arbitrária? As crianças indígenas não são órfãs. Bem ao contrário, estão melhor protegidas e cuidadas no âmbito de suas coletividades e por suas famílias. Uma intervenção indiscriminada, baseada em dados superficiais e análises simplórias, equivocadas e preconceituosas, não poderá contribuir para políticas públicas adequadas a estas populações”.

O abandono e morte de crianças indígenas com sofrimento, dor e tensão foi a resposta dada por algumas comunidades a um infortúnio ou desgraça que as acometia e que está sendo discutido e solucionado pelos próprios índios diante da nova situação em que vivem. Doía tanto quanto para Abrahão matar seu filho.

Então, ficamos combinados assim: uma anta é uma anta, um elefante é um elefante, a resposta dada por algumas comunidades tem tromba e é grande, mas não é elefante, e o Edir Macedo é….bom todo mundo sabe o que é Edir Macedo.

O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti 

Blog do DM