terça-feira, 31 de julho de 2012

Jornal O Povo: Índios Tapeba ocupam Funai e pedem demarcação de terras

31/07/2012


Cerca de 120 índios Tapeba ocuparam, na manhã de ontem, a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Fortaleza. Eles afirmam que só deixarão o local após os órgãos oficializarem a demarcação das terras indígenas


São dezenas de colchões, malas e roupas espalhados pelos corredores. Crianças, adultos e idosos passam a ocupar, dia e noite, a coordenação regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Fortaleza. Cerca de 120 índios da etnia Tapeba acamparam no prédio, na manhã de ontem, para pedir celeridade na demarcação das terras indígenas da tribo, em Caucaia.

“Desde o final da década de 70 que o processo se arrasta”, denuncia o articulador dos povos indígenas no Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, Dourado Tapeba, 52. Para o cacique Francisco Alves Teixeira, “(a publicação do) relatório de demarcação das terras fará com que os posseiros deixem de nos perturbar”.

O estopim para a mobilização foi a derrubada de 10 casas na aldeia Sobradinho. E uma das casas era a do cacique Teixeira. “Perdemos tudo o que tínhamos. Estou (vivendo) debaixo dos matos, numa lona, até o problema se resolver”, afirma.

Os estudos para a demarcação das terras já foram concluídos e preveem a constituição de uma área de 5.100 hectares (ha). O relatório foi enviado à Funai em Brasília e aguarda a análise do órgão para a publicação no Diário Oficial da União. Só assim a terra indígena será criada legalmente. Os índios garantem que só deixarão o prédio depois que a Funai concluir a demarcação.

Segundo Dourado Tapeba, três mil posseiros ocupam a área indígena hoje. “Nós, índios, só temos em mãos 1.200 ha.” Dourado contabiliza que, pelo menos, outros três relatórios para demarcação das terras foram elaborados, mas a Prefeitura de Caucaia “derrubou” todos na Justiça.

“O último foi anulado pelo ex-prefeito José Gerardo Arruda, nosso inimigo número um”, diz Dourado. Ele afirma que a família Arruda possui terrenos na terra indígena e, por isso, teriam interesses pessoais na disputa.

O ex-prefeito rebate as críticas. “Não sou herdeiro direto das terras, que são do meu bisavô. O que defendemos são as terras do município e os grandes investimentos na área.” Arruda alega que, nos relatórios anteriores, não havia participação de representantes da Prefeitura. “Mas o problema é que o poder público (na época) também era pessoa interessada. Eles (Arruda) são grileiros”, rebate Dourado.

O POVO entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, no final da tarde de ontem. Até o fechamento da reportagem, nenhum retorno foi dado.

Quando

ENTENDA A NOTÍCIA

Os índios Tapeba reivindicam, desde o final da década de 1970, a demarcação das terras em Caucaia. A primeira proposta previa uma área de 30 mil hectares (ha) que, no último relatório, foi reduzida para 5.100 ha.

Fonte: opovo.com.br

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Dalmo Dallari: Advocacia e ilegalidade anti-índio


Publicado no Jornal do Brasil - 27/07/2012

Dalmo Dallari

Uma portaria publicada recentemente, com a assinatura do advogado-geral da União, contém evidentes inconstitucionalidades e ilegalidades, pretendendo revogar dispositivos constitucionais relativos aos direitos dos índios, além de afrontar disposições legais. Trata-se da Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012, que em sua ementa diz que “dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas”.

Antes de tudo, para que fique bem evidente a impropriedade da portaria aqui examinada, é oportuno lembrar o que é uma portaria, na conceituação jurídica. Em linguagem simples e objetiva Hely Lopes Meirelles, uma das mais notáveis figuras do direito brasileiro, dá a conceituação: “Portarias são atos administrativos internos, pelos quais o chefe do Executivo (ou do Legislativo e do Judiciário, em funções administrativas), ou os chefes de órgãos, repartições ou serviços, expedem determinações gerais ou especiais a seus subordinados, ou nomeiam servidores para funções e cargos secundários” (Direito administrativo brasileiro, São Paulo, Ed. Rev.Trib., 1966, pág. 192).

Como fica evidente, a portaria não tem a força da lei nem da jurisprudência, não obrigando os que não forem subordinados da autoridade que faz sua edição. No entanto, a Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012, do advogado-geral da União, diz que o advogado-geral da União, no uso de suas atribuições, resolve: “artigo 1º. Fixar a interpretação das salvaguardas das terras indígenas, a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta...”.

É evidente a exorbitância, pois o advogado-geral da União não tem competência para impor sua interpretação a quem não é seu subordinado. Essa é uma das impropriedades jurídicas da referida portaria.

Para dar uma aparência de suporte jurídico aos dispositivos da portaria, nela foram inseridas, literalmente, restrições aos direitos constitucionais dos índios constantes de argumentação expendida pelo ministro Menezes Direito no julgamento recente do caso reserva Raposa Serra do Sol, dos índios ianomâmi. A questão jurídica pendente do julgamento do Supremo Tribunal Federal naquele caso era o sentido da disposição constante do artigo 231 da Constituição, segundo o qual “são reconhecidos aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.

Esclarecendo o alcance dessa disposição, diz o parágrafo 1º do mesmo artigo: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

Apesar da clareza desse dispositivo, ricos invasores de terras indígenas pretendiam que só fosse assegurado aos índios o direito sobre os locais de residência, as malocas, propondo que a demarcação da área ianomâmi só se limitasse a esses espaços, formando uma espécie de ilhas ianomâmi. O esclarecimento desse ponto era o objeto da ação, e o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa aos índios, considerando legalmente válida a demarcação de toda a área tradicionalmente ocupada pela comunidade.

Numa tentativa de reduzir o alcance da ocupação, o ministro Menezes Direito declarou que reconhecia o direito dos índios, mas que eles deveriam ser interpretados com restrições, externando tais limitações em dezenove itens, que denominou condicionantes. Estas não integraram a decisão, que foi exclusivamente sobre o ponto questionado, a demarcação integral ou em ilhas. E agora a portaria assinada pelo advogado-geral da União tenta ressuscitar as condicionantes, além de acrescentar outras pretensas restrições aos direitos indígenas. Assim, por exemplo, a portaria diz que “é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”.

Ora, bem recentemente o Supremo Tribunal, julgando o questionamento da doação de terras dos índios pataxós a particulares, feita pelo governo do estado da Bahia, concluiu pela nulidade de tais doações, o que terá como consequência a ampliação da área até agora demarcada como sendo o limite do território pataxó. E nenhuma portaria pode proibir isso.

Outro absurdo da portaria aqui questionada é a atribuição de competência ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, para regular o usufruto dos índios dentro de suas terras, direito expressamente assegurado pela Constituição e que não pode ser regulado por uma portaria do advogado-geral da União. 

Pelo que já foi exposto, é evidente absurdo pretender atribuir novas competências a uma autarquia federal por meio de uma portaria da Advocacia Geral da União. Coroando as impropriedades jurídicas, a portaria em questão diz que é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das áreas indígenas, afrontando a disposição expressa e clara do artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Como é bem evidente, a competência para a demarcação é da União, somente dela, sendo inconstitucional a atribuição de competência aos estados federados como pretendeu a portaria. Por tudo o que foi aqui exposto, a Portaria nº 303/2012 da Advocacia Geral da União não tem validade jurídica, e qualquer tentativa de lhe dar aplicação poderá e deverá ser bloqueada por via da ação judicial própria, a fim de que prevaleça a supremacia jurídica da Constituição, respeitados os direitos que ela assegurou aos índios brasileiros.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

FUNAI: Servidores em greve dizem que Brasil ‘pisa’ nos direitos indígenas


Marta Maria do Amaral Azevedo, única mulher a presidir a Funai, enfrenta sua primeira crise no órgão. Foto: José Cruz/ABr
Em greve desde 21 de junho, os servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) realizaram na segunda-feira 16 um protesto inusitado. Eles enfileiraram as coletâneas da legislação indigenista brasileira na entrada do prédio do órgão em Brasília para que, ao passarem pelo local, as pessoas pisassem ou pulassem os livros, em uma alusão à falta de condições da fundação em cumprir o que está previsto naquelas páginas. “A ideia era demonstrar o enfraquecimento da instituição”, explica Nina Almeida, integrante do comando de greve, aCartaCapital. “O Brasil alcançou marcos legais razoáveis para os indígenas, mas eles não são respeitados. Estamos pisando nos direitos.”
Os trabalhadores da Funai aderiram à greve nacional dos servidores públicos federais por melhores salários, mas mantêm os serviços essenciais aos indígenas. Os servidores paralisados também dizem ter uma pauta específica, que envolve a falta de estrutura da instituição e condições de trabalho degradantes, que em alguns casos coloca em risco a vida do funcionários por conta da atuação de madeireiros em territórios indígenas.
Os problemas estruturais são extensos, mesmo após a reestruturação do órgão em 2009. “Muitas sedes existem apenas no papel. Há prédio sem equipamentos e sequer existe um regimento interno atualmente”, lista Almeida.
Um quadro que, segundo o comando de greve, enfraqueceu o órgão e os direitos indígenas. Por isso, eles pedem um pronunciamento oficial da instituição que também fale sobre os projetos de lei que visam transferir a demarcação de terras indígenas do Executivo – hoje a cargo da Funai – para o Legislativo. “Sabemos que a bancada ruralista tem muito interesse em coibir as demarcações”, diz Almeida. Ela também destaca como perigosos outros projetos de lei, como os que regulamentam a mineração em terras indígenas sem consulta prévia e as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), “que passam por terras indígenas sem consultar os nativos”.
O grupo tem 14 reivindicações, entre elas a qualificação adequada dos servidores. Segundo Almeida, a Funai contratou por concurso em 2010 funcionários em número insuficiente e para um “cargo genérico”, sem área de atuação especifica. “Há um gargalo no administrativo e técnico. Porque os servidores que entraram não receberam a capacitação necessária, e o trabalho com os povos indígenas tem uma série de especificidades para as quais não fomos treinados.”
A Funai informou via assessoria de imprensa que não iria se pronunciar sobre o protesto e a greve, mas diz manter conversas com os grevistas.

Fonte: Carta Capital 17.07.2012