domingo, 2 de dezembro de 2012

GATI realiza visita de acompanhamento na TI. Tremembé Córrego João Pereira/CE


Foto: Ascom / APOINME

Segue abaixo, relato dos técnicos Tiago Silva e Thiago Oliveira sobre a visita de acompanhamento técnico e fiscalização dos projetos apoiados pelo GATI/FUNAI/PNUD e pela Carteira Indígena nas Terras Indígena Córrego João Pereira e Queimadas.
Esta visita marca a volta do técnico Tiago Silva, desta vez prestando consultoria ao GATI, às comunidades Tremembé, após um período em que foi praticamente obrigado pela coordenação da FUNAI a se afastar das aldeias Tremembé injustificadamente, devido a questões que até hoje não foram devidamente compreendidas. Mas o importante é que a reinserção de Tiago já representa um novo ânimo para as aldeias Tremembé, que estavam sem acompanhamento algum nos seus respectivos projetos.
Abaixo a descrição de Tiago Silva sobre a retomada dos trabalhos e em seguida o relatório das visitas ao Córrego João Pereira elaborado por Thiago Oliveira.


Relato de Tiago Silva

Depois de uma longa novela, acredito que dessa vez as coisas possam estar um pouco mais favoráveis para a realização de trabalhos junto às aldeias Tremembé. Acredito que um dos maiores problemas de nossa sociedade é a comunicação ou a falta dela. Por isso fomos "quase" que obrigados a nos afastar dos trabalhos com a comunidade. Porém, como sabemos o caos é necessário para desorganizar e posteriormente reorganizar. Depois de longos 12 meses, retornamos à comunidade, porém, dessa vez, um pouco mais animados. 
Há cerca de 02 meses, recebi uma ligação de Isabel Modercin, bióloga, assessora do Projeto de Gestão Ambiental em Terras Indígenas - GATI, fruto do esforço conjunto do Movimento Indígena, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI e do Ministério do Meio Ambiente – MMA, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, para colaborar em atividades com os Tremembé (para saber mais sobre o GATI, clique aqui).
Esse contato foi feito através de Luís Gustavo, da Carteira Indígena/Ministério do Meio Ambiente - MMA, que nos indicou para auxiliar no trabalho de Isabel junto a Terra Indígena Córrego João Pereira, visto que é a única TI. do Ceará que foi inserida no GATI por ser homologada.
Após alguns dias de conversa via email juntamente com as lideranças locais (Francisco José), o coordenador da CTL-FUNAI de Itarema (Antonio Neto), com o total apoio do PNUD, via projeto GATI (Isabel), pudemos viabilizar uma visita de campo, que teve como objetivo: reunir com as lideranças locais e identificar os projetos que estão em funcionamento ou por acontecer, procurando possíveis gargalos para a sua não execução e encontrando soluções para os mesmos.
Foram 07 dias de trabalhos, que iniciamos a partir do dia 24 de outubro de 2012. Ao chegar na aldeia eu, Thiago Oliveira (companheiro de trabalho), Isabel e Alexandre Pankarurú (representante da APOINME) que estava na parte de comunicação dos trabalhos, fomos recebidos com um almoço delicioso preparado pela esposa de Afonso, vice-presidente da Associação de São José. Em seguida, nos sentamos no alpendre para vermos um mapa que ele tinha feito da TI.

Afonso mostrando o mapa a Isabel/GATI e ao técnico Thiago Oliveira

Depois fomos participar de uma reunião com as lideranças indígenas das 4 aldeias do Córrego João Pereira: Cajazeiras, São José, Capim Açu e Telhas. Contamos com a participação de cerca de 15 pessoas e a representação de 3 associações, exceto o Conselho Indígena do Córrego de Telhas, que não se fez presente. Nos apresentamos, nos conhecemos e falamos sobre dos projetos em andamento e os que estão por vir dentro da TI.

Reunião na Associação da aldeia São José




Relatório da Visita – TI. Córrego João Pereira
Thiago Oliveira

1° Dia – 24/10/2012

Ao chegar na comunidade realizamos uma reunião que teve como intuito principal a discussão das seguintes pautas:
  • Apresentação dos participantes;
  • Apresentação e discussão dos projetos do Córrego João Pereira (em andamento e os não iniciados), com ênfase no projeto da aldeia São José aprovado pela Carteira Indígena/MMA e pelo GATI/FUNAI/PNUD.

Foram elencados os seguintes projetos:
  • Preservação dos Serrotes que são áreas utilizadas para retirada de madeiras para construção de casas, frutos nativos, caça e local de encontros espirituais (encantados);
  • Formação de 10 Agentes de Agricultura Ecológica - ADAE, pela Fundação CEPEMA;
  • Beneficiamento de Frutas, através de produção de polpas e doces;
  • Quintais Produtivos (Nutritivos);
  • Implantação da Cerca Viva com Sabíá (Mimosa Caesalpinefolia) por todo o perímetro da TI, em parceria com a FUNAI;
  • Projeto de Irrigação para plantio de 05 hectares de coco (aldeia São José);


Na oportunidade, os participantes da reunião discutiram a situação dos projetos desenvolvidos na terra indígena, sobretudo, o projeto da aldeia São José aprovado pelo GATI/Carteira Indígena, cuja situação está comprometida pelo escasso acompanhamento técnico destinado às famílias envolvidas, pois conforme relatado, a FUNAI atualmente conta com apenas um técnico disponível para atender as demandas de assistência técnica das aldeias indígenas de todo o Ceará, de modo que a carência de pessoal dificulta o trabalho de acompanhamento dos projetos nas aldeias.
Os projetos relatados são os que possuem financiamento a fundo perdido, neste caso foram relatados, dois projetos de irrigação um para a Associação do Córrego do João Pereira, sendo que este já conta com todo o equipamento e estrutura para viabilizar a produção desde que se faça uma proposta de readaptação a realidade, desejo, e necessidades das famílias envolvidas.
O segundo projeto, referente ao plantio irrigado de coco, se configura como o ponto principal e motivo da presença do Técnico Tiago Silva Bezerra, que desempenhou atividades anteriores nas comunidades de Telhas e Queimadas, entre os anos de 2009 e 2011, em parceria com a prefeitura municipal de Acaraú, e em virtude deste trabalho e do seu conhecimento sobre a realidade dos Tremembé de Queimadas e Córrego João Pereira, foi convidado a realizar a readaptação deste projeto de irrigação dentro de uma perspectiva agroecológica, visando a agrobiodiversidade de alimentos produzidos para a segurança alimentar das famílias e a venda do excedente de produção em feiras e/ou através de compras governamentais, tendo como base de gestão o controle social exercido pela comunidade e assessorado por parceiros, respeitando o protagonismo das comunidades.
Foi mencionado pelo grupo a intenção da construção de uma cerca viva perimetral na aldeia utilizando o Sabiá (Mimosa Caelsapinaceae) em cerca de 32 km de extensão, pois os mesmos enfatizaram que o arame farpado comumente utilizado na construção de cercas tem um significado muito forte, pois representa o latifúndio e, por sua vez, os conflitos gerados no passado contra os grileiros que atuaram na região por muitos anos.
Foi verificado também o projeto de mudas destinado para a Associação do São José/TI. Córrego João Pereira, sendo que este foi colocado para ser viabilizado em uma área de 0,5 hectare, mas quando deparado com a realidade mostrou-se grandioso a tal ponto que poderá implicar dificuldades de manejo diante de sua área total voltada para a produção, pois devido a experiência na produção de mudas, dependendo da espécie utilizada, do tamanho de saco de muda, dentre outros fatores, 1m2 é o suficiente para produzir cerca de 1.000 mudas, em virtude disto provavelmente uma área bem menor corresponda as expectativas referentes a este projeto, que na verdade também precisaria ser revisto.
Deste encontro foram retirados os seguintes encaminhamentos da reunião:
Ver locais prováveis para implantar o projeto de Irrigação da Aldeia de São José;
Visitar os projetos desenvolvidos em Telhas e Queimadas (a título de experiências já em funcionamento).

2° Dia 25/10/2012

No dia seguinte fomos realizar as visitas de campo, conhecer os lugares tradicionais e sagrados do Córrego do João Pereira como o serrote e as matas ao seu redor que são destinadas a preservação, mas chegando ao local, empiricamente podemos tirar a impressão que o local sofre intervenções humanas com a retirada de madeira por seus habitantes, apesar de Seu Afonso afirmar que a área não sofre intervenção há bastante tempo. Como se pôde constatar, o extrato da vegetação mostra que a mesma possui uma vegetação muito rala para ter um pousio tão longo. As principais plantas nativas encontradas no percurso foram a Ubaia, Bacumixá, Jatobá, Pau D’ Arco, Umburana de espinho etc.
Foram visitados os três pontos de onde a comunidade de São José deseja implantar a área de irrigação. Nos três locais foram feitas considerações a respeito das implicações da escolha de cada um dos locais. Foi sugerido que esta deliberação passasse pela apreciação comutaria na assembleia da associação com a participação de todos e todas, posto que se trata de uma importante decisão.
Na parte da tarde visitamos a aldeia Telhas/TI Córrego João Pereira, em especial a casa de Seu Tota, indígena agricultor e escavador de poços da comunidade, tendo este feito mais de 90 poços, beneficiando famílias de sua e de outras comunidades. Além de dominar esta habilidade, Tota é um agricultor agroflorestal sensibilizado com a proposta de cunho ecológico e replicador deste conhecimento dentro de sua comunidade.
No final da tarde visitamos a TI. Queimadas, em particular os quintais da Senhora Marluce e de Evaldo, ambos agricultores agroecológicos que vem trabalhando com a produção orgânica mas sem certificação dos alimentos

3° Dia 26/10/2012

No terceiro de dia foi realizada uma oficina para a reformulação do projeto escrito originalmente pelo técnico da FUNAI para o plantio de coco em sistema irrigado. Como a proposta foi aprovada, mas com ressalvas, principalmente pelo caráter da proposta inicial, que da forma como foi construído não contemplava a aplicação de princípios agroecológicos, como exige a Carteira Indígena. O projeto inicial previa o sistema de plantio solteiro, com irrigação utilizando maquinários e insumos agrícolas para o preparo da terra, de modo que o projeto apresentava mais proximidade com o modelo de produção exercido nos lotes do Perímetro Irrigado do Baixo Acaraú. Deste modo, o GATI e a Carteira Indígena solicitaram que a proposta fosse reformulada a partir de uma práxis ecológica e sustentável á longo prazo, pois a produção convencional baseada no modelo do agronegócio com o decorrer do tempo torna a terra improdutiva e escassa em sua fertilidade natural devido a adição de agroquímicos no cultivo agrícola.
Ao iniciarmos a oficina foi feita a apresentação dos participantes externos (no caso, os técnicos Tiago Silva Bezerra e Thiago Oliveira Gomes), o motivo de nossa presença e um breve resumo da atuação profissional de cada um. Em seguida, todos os presentes fizeram sua apresentação falando livremente a respeito do que esperavam do dia, sua vida em comunidade, etc. Ainda pela manhã, foi feita a releitura do projeto expondo as condicionantes que haviam sido impostas, os pontos que mais chamaram a atenção do público foram:

Formação dos participantes;
Na elaboração inicial, partia-se do pressuposto de que a comunidade já dominava a técnica de plantio da cultura do coco, o que foi prontamente rebatido pelos participantes que pontuaram que não resta dúvidas sobre a habilidade de plantar coco nos seus quintais, mas em se tratando de cultivo em larga escala e num sistema irrigado, é necessário a capacitação, item este que o projeto inicial não contemplava.
Cerca viva e adubo;
O outro ponto é referente à construção de uma cerca perimetral, cujos valores orçados são insuficientes para tal. O projeto também não contempla a compra de adubo para preparo do solo.
Depois de feita a leitura do projeto os mesmos colocaram as suas considerações a respeito, e fechamos a parte da manhã.
À tarde, nos reunimos com um grupo maior, que foi aumentando no decorrer da oficina, principalmente pelos homens que estavam trabalhando durante o dia e que foram encerrando suas atividades ao longo da tarde.
Esta parte foi dedicada a realização de uma dinâmica de trabalho em dupla, que tinha como intuito principal descrever as atividades e conhecimentos agrícolas e pastoris praticados pelos Tremembé do Córrego, isto é, o que estes sabem fazer referente a produção de alimentos, entre frutas, legumes, tubérculos, frutas nativas, criação de animais, etc. O resultado configurou-se como um grande mosaico de informações e conhecimentos localizados e adaptados as suas reais necessidades quanto à vida em comunidade ao longo da história dos indígenas na região.
Destaque para a prática dos agricultores Tremembé de guardarem suas próprias sementes e nisto serem autônomos no que diz respeito as sementes repassadas pelos órgão de ater. Os mesmos reconhecem o valor e a importância de estarem sempre plantando os cultivares de seus antepassados. Diante do conhecimento indígena, foi se trabalhando a ideia de se praticar uma agricultura baseada na sustentabilidade de base ecológica, utilizando e otimizando os recursos naturais locais, principalmente os de cunho social, ambiental e produtivo.
Após a apreciação do grupo, foi colocado para os mesmos a seguinte pergunta: o que desejo produzir? Na coleta e sistematização das respostas fora colocado exatamente o que foi mencionado na dinâmica anterior, ou seja, o desejo de se produzir uma gama variada de alimentos citados pelos participantes anteriormente, pois foi possível perceber que é mais fácil para eles investir naquilo que já sabem e também porque a produção de coco possui um ciclo médio de produção entre 02 e 03 anos, o que implica pensar o que fazer durante esse lapso de tempo sem safras.
Neste aspecto, foi colocado para os mesmos que tendo uma área irrigada seria possível fazer o plantio associado do coco com uma variedade de espécies alimentares, pois os agricultores Tremembé já possuem habilidade para produzirem tais alimentos. Deste modo, possuem de fato uma agrobiodiversidade alimentar que de primeira mão servirá para a segurança alimentar das famílias envolvidas e também uma economia para as famílias envolvidas na produção, pois reduz o custo com alimentos comprados fora da terra indígena.
Diante do exposto, foi sugerido e acatado por estes, a participação efetiva dos participantes na proposta, a implementação de uma área irrigada em forma de policultivo, explorando os diferentes níveis do solo para o cultivo de frutas, verduras, hortaliças, legumes etc., seguindo uma proposta de estarem implementando culturas de curto prazo (0 – 12 meses) de ciclo médio (01 – 03 anos) e de ciclo longo (03 – 08 anos), reconhecendo quais culturas produzem nestes espaços de tempo e utilizando as informações geradas pelos mesmos.
O outro ponto colocado foi quais as necessidades que se terão futuramente. Foram elencadas algumas questões, dentre as quais: a adubação, o preparo da terra, a comercialização dos produtos, a organização comunitária etc. Na verdade, a intenção de ver estes itens objetiva ver o que está ao alcance da comunidade resolver e o que se precisa estar buscando através das parcerias. Posterior a essa discussão, foi colocado a importância da comunidade estar firmando parceiras para poder resolver suas necessidades.

Ao final do dia, foi feita uma breve avaliação e colocado a importância das pessoas estarem presentes no dia seguinte, pois ficou definido que a área de produção será construída de maneira coletiva, bem como a implantação do sistema de irrigação, mas que a produção será por unidade familiar, ou seja, a área total será de 05 hectares de área irrigada e será dividida em 20 partes iguais que será destinada às famílias envolvidas no projeto, onde cada uma terá como área disponível 2.500 metros quadrados de área para a produção de frutas, verduras, hortaliças, legumes, grãos, tubérculos e o coco.

4º dia – 27/10/2012

No dia seguinte foi realizada uma recapitulação da discussão do dia anterior com a fala livre para quem quisesse comentar alguma coisa. Em seguida, foi traçado um pequeno plano de trabalho sobre como seriam as ações. As discussões e deliberações dos dias de oficina foram documentadas e registradas em ata com a assinatura dos respectivos participantes do projeto. Inicialmente, 17 famílias se habilitaram, restando 03 vagas para serem preenchidas por quem tiver interesse. Foi marcada para o sábado, dia 03 de Novembro, uma assembléia interna para relatar aos demais sócios o que aconteceu nesses dias e disponibilizar o restante das vagas aos interessados.

Os dias seguintes foram dedicados às visitas em Telhas e Queimadas, dessa vez para tratar da situação dos projetos da Carteira Indígena em andamento nas duas aldeias, referentes à chamada pública para as mulheres indígenas. As duas aldeias apresentavam situações parecidas, sobretudo no que se refere à ausência de assistência técnica na implantação dos mesmos, como também foram encontrados problemas relacionados à gestão dos recursos.
As lideranças de Queimadas e Telhas, e sobretudo as mulheres participantes dos projetos, manifestaram o desejo de que Tiago possa retomar o trabalho de ATER Indígena e acompanhar a execução dos projetos.



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