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quinta-feira, 14 de março de 2013

Discussões e encaminhamentos da XVIII Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará

Imagem: Observatório dos Direitos Indígenas da UFC

Apresentamos abaixo algumas discussões e encaminhamentos deliberados durante a XVIII Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará, realizada na Aldeia de Fidélis do Povo Tabajara, município de Quiterianópolis. O evento foi organizado pela APOINME e COPICE, em parceria com diversas instituições.
Segundo a organização do evento, participaram cerca de 300 representantes indígenas das seguintes etnias:

Etnia – Município(s)

Anacé – Caucaia/Gonçalo do Amarante;
Gavião – Monsenhor Tabosa;
Jenipapo-Kanindé – Aquiraz;
Kalabaça – Crateús /Poranga;
Kanindé – Aratuba/Canindé
Kariri – Crato;
Pitaguary  - Maracanaú/Pacatuba;
Potiguara – Crateús/Novo Oriente/Monsenhor Tabosa/Tamboril;
Tabajara – Crateús/Mosenhor Tabosa/Poranga/Quiterianópolis;
Tapeba – Caucaia;
Tapuia-Kariri – São Benedito;
Tubiba-Tapuia – Monsenhor Tabosa;
Tupinambá – Crateús;
Tremembé – Acaraú/Itapipoca/Itarema.


Abaixo destacamos alguns pontos que constam no relatório final da Assembleia, enviado gentilmente por Lucilene Martins, liderança Tremembé.


Saúde e Saneamento

Referente ao saneamento básico, a equipe técnica do DSEI/CE apresentou a previsão de construção de 246 cisternas em parceria com a Secretaria do Desenvolvimento Agrário SDA/CE. Informam ainda que o objetivo da SESAI é de que até o ano de 2015, deixar os 100% das aldeias indígenas saneadas, com abastecimento de agua e kit´s sanitários. 

Também foi apresentado as previsões de construção de postos de saúde e pólo base. Aproveitando a oportunidade de debate com a plenária, e respondendo há uma pergunta feita por uma liderança indígena sobre os recursos previstos para saneamento básico e esgotamento sanitário junto às comunidades indígenas Tapeba, da ordem de aproximadamente 06 milhões de reais, a equipe técnica da SESAI anuncia que a Prefeitura Municipal de Caucaia, não renovou o referido convênio com a FUNASA, o que resultou no recolhimento desses recursos e que ainda há possibilidade de retorno de tais recursos a depender da articulação política do Município de Caucaia junto a FUNASA, bem como da pressão política por parte do próprio movimento indígena.



Cultura

Dentre as discussões, o secretário de Cultura do Ceará, Francisco Pinheiro, anunciou as ações que a SECULT vem apoiando junto às comunidades indígenas, por parte de projetos financiados pelo edital de Pontos de Cultura. Também anunciou as ações previstas sobre a temática indígena contemplada no Plano de Cultura do Ceará.
Foi ainda informado que a SECULT pretende criar o Memorial dos Povos Indígenas, como forma de contribuir para a visibilidade e difusão das culturas indígenas do estado, sendo que o referido memorial ainda não foi implementado justamente por indefinição por parte dos povos indígenas cearenses.
Dentre as intervenções realizadas pelos debatedores e pela plenária, destacou-se:
A reivindicação de um assento no Conselho Estadual de Políticas Culturais;
A criação do Fórum Estadual de Culturas Indígenas e de editais específicos para apoiar as culturas indígenas no âmbito do Estado do Ceará, bem como da celebração de convênios com as organizações indígenas ou termos de cooperação técnica e financeira, com vistas a apoiar os Museus Indígenas, Casas de Culturas, Centros Culturais ou memoriais.
Dentre as contribuições do Cacique do Povo Kanindé, foi apresentado a experiência do Museu dos Kanindé de Aratuba, constituído como museu comunitário, demanda semelhante vivenciada pelo Povo Tapeba, socializada por meio da Pajé D. Raimunda, falando que a “nossa cultura” somos nós que fazemos mas que é necessário o apoio das instituições para que as culturas indígenas possam se fortalecer.
Como encaminhamentos concretos, destacou-se a eleição da Liderança Indígena Batata Tabajara de Crateús para ocupar a função de membro titular no Conselho Estadual de Políticas Culturais e o seu respectivo suplente, Weibe Tapeba, além da aprovação de uma resolução abordando a necessidade de financiamento por parte da SECULT para as comunidades indígenas e a criação do Fórum Estadual de Culturas Indígenas do Ceará.



MPF e os direitos indígenas

Como principais encaminhamentos dessa mesa temática, destacamos a disposição do Procurador da república, Dr. Patrício Noé em instaurar um Inquérito Civil Público para tratar das questões inerentes a regularização fundiária das terras indígenas na área de atuação da Procuradoria da República em Crateús.

Reivindicação das lideranças indígenas em realizar audiência pública na região para discutir a questão do alto índice de indeferimento dos benefícios previdenciários contra os segurados especiais indígenas, motivados pela discriminação e preconceito pela condição étnica advindos de servidores lotados nas Agências Previdenciárias do INSS nas regiões onde as comunidades indígenas estão localizadas.

Outro encaminhamento relevante foi a aprovação de uma resolução solicitando a constituição de GT´s para identificar e delimitar as terras indígenas demandas na resolução específica, solicitação de publicação dos relatórios das terras indígenas que já foram estudadas e continuidade dos processos administrativos em curso.

Imagem: Observatório dos Direitos Indígenas da UFC


Educação escolar indígena

Destacaram-se a conquista da implementação do direito do terço para os professores referentes aos períodos de planejamento, programa de formação do magistério indígena nível médio, das discussões centrais do Comitê Interinstitucional de Educação Escolar Indígena e das dificuldades referentes a aplicação dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, queixa realizada por professores que denunciam que as dificuldades referente a merenda escolar perduram a bastante tempo.

Discutiu-se a necessidade de participação dos professores indígenas nas assembleias estaduais e outras atividades do movimento indígena a nível de estado, sendo encaminhada a aprovação de uma resolução específica para que o movimento indígena local de base possa priorizar a participação dos professores e gestores nessas assembleias e que as Escolas Indígenas possam incluir em seus currículos a abordagem sobre a Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará.

Informações atualizadas sobre a retomada das atividades do Curso de Licenciatura Intercultural: Formação de Professores, de responsabilidade da Universidade Estadual do Ceará – UECE. Segundo informações, as atividades paralisadas por problemas administrativos e de gestão. A UECE está finalizando a elaboração do Plano de Trabalho Anual – PTA, que deverá ser cadastrado no FNDE tão logo o MEC libere a senha para a UECE. A previsão orçamentária para o curso já foi anunciada pelo MEC que deverá dar condições para que o curso possa ser retomado e não sofra mais descontinuidade.


Eleições micro-regionais da APOINME

Processo de eleição da representação da APOINME nas micros-regiões do Semi-Árido e da Micro-Região da Região Metropolitana de Fortaleza e Litoral. Após intensas discussões, a plenária geral da assembleia deliberou consensualmente pela indicação e eleição dos seguintes representantes:
  • MR Semi-Árido:

Titular: Eliane Tabajara(Poranga);
Suplente: Renato Potiguara (Crateús);
  • MR Litoral e Região Metropolitana de Fortaleza

Titular: Digé Tremembé (Itarema);
Suplente: Dourado Tapeba (Caucaia);


Etnodesenvolvimento

A mesa tocou em questões profundas acerca da Gestão Ambiental e Territorial de terras indígenas, tendo como parâmetro a experiência da Terra Indígena Córrego João Pereira, em Itarema, discutindo questões centrais de como lidar com o usufruto exclusivo e o princípio da organização social e autonomia das comunidades sem afetar o território por meio de divergências internas ou de ações de degradação ambiental.

A mesa também discutiu o papel importante do CDPDH na defesa dos direitos indígenas, sendo parabenizado a essa entidade pelo apoio financeiro dado por meio do projeto financiado pel Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Ceará – SDA.


Situação da FUNAI – Coordenação Regional Nordeste II

Os integrantes da mesa apresentaram as principais dificuldades das comunidades indígenas e das limitações de atuação da FUNAI nas terras indígenas. Foram elencados os pontos de crítica à atuação da FUNAI:

- Referente ao funcionamento das CTL´s de Itarema e Crateús;
- Falta de apoio às comunidades indígenas afetadas pela estiagem;
- Morosidade na regularização fundiária das terras indígenas;
- Falta de apoio e fomento às atividades produtivas;
- Ausência de assistência aos indígenas em trânsito que vão a Fortaleza para defender interesses das comunidades;
- Limitação de recursos humanos e falta de planejamento na descentralização de recursos orçamentários e financeiros para garantir a execução das ações previstas nas programações anuais previstas pela CR NE II. 
- O indígena Weibe Tapeba, que ora responde pela função de Coordenador Regional Substituto da CR NE II, aproveitou a oportunidade para diante do cenário instalado na FUNAI, anunciar o seu desligamento do órgão indigenista, que deverá acontecer através de carta à presidência da FUNAI, informando seu desligamento.

Como principais encaminhamentos da mesa:

- Previsão, por parte do Povo Pitaguary, do deslocamento de 40 lideranças indígenas para irem a Brasília e tratar das questões de regularização fundiária e sobre a situação da Coordenação Regional Nordeste II.
- Solicitação de vinda de diretores da FUNAI para que possa vir ao Ceará e tratar das condições de funcionamento da CR NE II e suas respectivas CTL´s.
- Solicitação à FUNAI/Brasília para que possa dar condições de funcionamento das CTL´s instaladas no Ceará e solicitação de uma CTL a ser instalada na Região Metropolitana de Fortaleza.
- Ida a Brasília de uma comissão de lideranças indígenas da região das Serras das Matas para tratar do relatório de identificação e delimitação da terra indígena que contemplará os povos Potiguara, Tabajara, Gavião e Tubiba-Tapuya.

Imagem: Observatório dos Direitos Indígenas da UFC


Imagem: Observatório dos Direitos Indígenas da UFC



Fonte: Relatório final da XVIII Assembleia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará
Edição: Ronaldo Santiago
Fotos: Observatório dos Direitos Indígenas da UFC

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Índios no Ceará: Falta de demarcação das terras indígenas gera crimes e violência


 Matéria publicada no Diário do Nordeste em 20/08/2012 



A questão fundiária está intimamente ligada à violência e ao uso de drogas nas aldeias indígenas cearenses

Na aldeia dos Pitaguarys, em Pacatuba e Maracanaú, crianças e adolescentes participam de projetos de prevenção ao uso de drogas e álcool. O objetivo do grupo é aumentar a autoestima e repassar um pouco da história da etnia.
 
"Constituem crimes contra os índios e a cultura indígena: propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais e/ou entre índios não integrados. Pena - detenção de seis meses a dois anos". O trecho faz parte do artigo 58 do Estatuto do Índio, assegurado desde 19 de dezembro de 1973. Contudo, a legislação não é respeitada na maioria das aldeias indígenas do Ceará e, por conta disso, alguns povos, como os Jenipapos-Kanindés, de Aquiraz, e Pitaguarys, de Pacatuba e Maracanaú, foram obrigados a fechar o acesso de suas aldeias para evitar conflitos e crimes.

Segundo a advogada Aline Furtado, integrante da equipe do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, que presta assessoria jurídica aos povos Tapebas, Pitaguarys e Jenipapos-Kanindés, a violência nas terras indígenas do Ceará é recorrente e tem relação forte com a questão fundiária, ainda longe de ser solucionada no Estado.
"A violência e o consumo de bebida alcoólica e outras drogas nas aldeias estão intimamente ligados à questão da terra. Os não-índios não respeitam a posse da terra pelos indígenas", pontua a advogada.
No Ceará, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos ao Censo 2010, existem 19.336 índios, divididos em 14 etnias. Destes, 12.598 estão na área urbana e 6.738 na área rural. Porém, somente o povo Tremembé do Córrego João Pereira, de Acaraú e Itarema, tem sua terra homologada. "Os índios só passam a ter direito de fato às terras quando são homologadas pelo Ministério Público como áreas indígenas", explica.

Sem homologação, algumas etnias lutam como podem para manter a integridade física dos seus membros, de suas propriedades e protegê-los da violência.

No sábado (11), o povo Jenipapo-Kanindé fez uma "corrente humana" para impedir o acesso de não-índios às terras da Lagoa da Encantada, em Aquiraz. De acordo com a cacique Juliana Alves, a ação será feita aos fins de semana para coibir o uso de drogas, de bebidas alcoólicas e crimes na aldeia.
O alcoolismo gera problemas familiares e de saúde em muitos indígenas
FOTO: WALESKA SANTIAGO

A atitude radical foi tomada após o assassinato de um morador da comunidade, no último dia 6, que teria sido motivado pelo uso de drogas. "Nós fechamos a entrada, mas estamos recebendo ameaças até de morte", alerta a cacique.

A advogada do CPDH disse que essa não é a primeira denúncia desse tipo que a instituição recebe. "As belezas naturais das aldeias indígenas atraem pessoas que querem fazer uso da área como ponto turístico, levando bebidas e alimentos. Porém, quem decide pelo livre acesso é o indígena", esclarece.

Aline Furtado também chama a atenção para a ação recente, feita pelos índios Pitaguarys, que permaneceram acampados por quase cinco meses, impedindo o acesso das comunidades do entorno ao açude da aldeia, cujo acesso hoje está impedido por uma corrente, em Maracanaú.

Já em Caucaia, especialmente entre os Tapeba que vivem na comunidade da Ponte, próximo ao Rio Ceará, o problema são os crimes. "Há pouco tempo, vivenciamos um clima muito tenso naquela região porque as casas estavam sendo assaltadas. Para proteger as suas propriedades, alguns indígenas foram presos, por estarem portando armas sem autorização", afirma.

Segurança

Quanto à segurança, Aline Furtado diz que, pelo fato de as terras ainda não terem sido demarcadas, ainda não há consenso sobre qual polícia deve atuar no local. "Se as terras fossem homologadas, só a Polícia Federal poderia ter acesso. Algumas vezes, precisamos de policiamento e ninguém quer nos atender".

De acordo com o assessor de imprensa da Polícia Militar do Ceará, coronel Albano, a corporação atua nas áreas indígenas sempre que existe alguma ocorrência, seja lesão corporal, homicídio ou qualquer outro crime. "Nós atendemos como qualquer outra comunidade", explica.

Dados

De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai), não existem dados sobre a situação de consumo de álcool e drogas por índios no Brasil. A Secretaria ainda esclarece que o Distrito Especial Indígena (DSEI) Ceará realiza ações de promoção de saúde, prevenção e redução de danos para o uso de álcool e outras drogas na atenção primária.

Também segundo a Sesai, em 2011, as ações foram reforçadas em todo o País, com a contratação de cerca de 40 psicólogos para atuação na saúde mental, sendo dois responsáveis pelo Ceará. Ações são realizadas a partir de uma adequação às especificidades culturais das etnias, com a participação das comunidades, buscando articulação com a educação, esporte e assistência social. Já os pacientes indígenas que precisam de atenção especializada são encaminhados aos equipamentos de saúde mental municipais ou estaduais.


Combate às drogas é feito de forma diferente pelas etnias

Grupo Iandé Meme Maranongara, composto por crianças e adolescentes indígenas Pitaguarys, atua na prevenção ao uso de drogas ilícitas e também de bebidas alcoólicas na comunidade.
O apoio de outras entidades, como Organizações Não-Governamentais e prefeituras dos municípios, faz toda a diferença no combate ao alcoolismo e ao uso de drogas entre os indígenas no Ceará, principalmente no que diz respeito aos povos que vivem em áreas próximas à Capital cearense, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Grupo Iandé Meme Maranongara, composto por crianças e adolescentes indígenas Pitaguarys, atua na prevenção ao uso de drogas ilícitas e também de bebidas alcoólicas na comunidade
FOTO: WALESKA SANTIAGO

A equipe de reportagem do Diário do Nordeste visitou duas comunidades indígenas: os Tapeba da Lagoa II, que residem em Caucaia, e os Pitaguary, que vivem na zona rural do município de Maracanaú.
De acordo com o facilitador de artes indígenas Carlos Guedes, índio Pitaguary que desenvolve projeto com crianças e adolescentes na região há mais de dez anos, a saída encontrada por essa etnia é a prevenção.
"Não estamos livres das drogas, mas procuramos conscientizar essas crianças de que não se deve usá-las", explica.

Carlos Guedes coordena o grupo "Iandé Meme Maranongara", que, em tupi, significa "Somos todos parentes", composto por 28 crianças e adolescentes de idades variadas, que vão de sete a 13 anos e meio.

Os beneficiados participam dos encontros do grupo semanalmente e recebem lanche fornecido pela prefeitura de Maracanaú. O projeto ainda tem parceria com várias instituições privadas, como colégios particulares, que oferecem bolsas de estudo para os integrantes do grupo. "Procuramos fortalecer a autoestima deles para que quando eles chegarem ao mercado de trabalho, não terem tantos problemas ao se assumirem como índios, como a discriminação", diz.
FOTO: WALESKA SANTIAGO


Através do projeto, vários jovens estão matriculados em cursos técnicos e de nível superior e outros já até conseguiram sua vaga no primeiro emprego. "Temos uma ex-aluna que é gerente de loja em uma rede de farmácias e outro que está fazendo faculdade de Contabilidade", comemora o facilitador de artes indígenas, Carlos Guedes.

Entre as atividades desenvolvidas pelo grupo, está a dança do Toré e outras apresentações tradicionais. O figurino, confeccionado em palha de carnaúba e penas de aves, é feito por Carlos Guedes e sua esposa, Ana Lúcia Silva Duarte, índia Kanindé. "Nós fazemos apresentações em escolas, instituições públicas e privadas e, inclusive, já fomos até para a Itália, mostrar a cultura dos índios Pitaguarys", conta.

Sobre casos de alcoolismo e uso de drogas ilícitas dentro da aldeia, Carlos Guedes diz não ter conhecimento. "Nós tínhamos muitos problemas quando o acesso ao açude era permitido a todos, porque não-índios usavam drogas e bebidas por lá e sempre tinha confusão. Mas agora está tudo bem mais calmo", relata.

Falta de apoio

Em Caucaia, a realidade do povo Tapeba é bem diferente. Apesar de cada comunidade integrante da aldeia contar com um grupo cultural, composto de crianças e adolescentes, a falta de apoio de entidades não governamentais e também do poder público ajudam a aumentar as estatísticas de alcoolismo, uso de drogas ilícitas e até de assassinatos dentro da aldeia.

Segundo a agente de saúde indígena Iracema Matos, índia Tapeba que atua nas comunidades da etnia há cerca de 15 anos, o alcoolismo é um problema que atinge muitas famílias.

"O índio tem o costume de usar bebida alcoólica em seus rituais. Só que alguns começaram a substituir pela cachaça e se viciaram. O mocororó (bebida feita de caju, utilizada nos rituais do Ceará) é muito forte e não se pode exagerar nas doses", afirma. Iracema Matos e a também agente de saúde indígena Sílvia Nascimento participaram, no ano passado, de um curso oferecido pelo Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai), de facilitador de Terapias Comunitárias, em Porto Seguro, na Bahia.

Desde então, as duas realizam entre os Tapebas encontros mensais, abertos a toda a população indígena da aldeia, para que exponham as angústias. Porém, os problemas gerados pelo alcoolismo estão sempre presentes. "A violência causada pelo uso de álcool é muito citada pelos participantes", relata Iracema.

Além da bebida alcoólica, o crack também já faz suas vítimas na aldeia. "Tenho um familiar que mora aqui, é viciado e não quer se tratar. Ele começou com maconha, trazida por pessoas de fora e ele agora é dependente da ´pedra maldita´, o que destruiu a família, porque separou da mulher e tem quatro filhos pequenos", conta Sílvia Nascimento.

Iracema Matos dá assistência a uma índia, também mãe de quatro filhos pequenos, dependente de crack. "Ela me contou que começou a usar com as pessoas da família, dentro da aldeia. Depois que conversei com ela, orientando que poderia perder a guarda dos filhos por causa do vício, ela parou e está há quatro meses sem usar".

Para tratar dependentes químicos, entre os Tapebas, a única opção é encaminhar para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do município de Caucaia. "Não temos convênio com nenhuma clínica de tratamento. Lutamos contra as drogas aqui praticamente sozinhas", desabafa Iracema Matos.

Apesar de os números do IBGE apontarem que 52% dos indígenas cearenses não possuem rendimentos, as duas agentes de saúde afirmam que entre os dependentes atendidos pela Terapia Comunitária, a maioria trabalha. "Praticamente todos os que temos notícia que usam droga ou álcool têm emprego e assim sustentam o vício", revelam.

Para aumentar a renda em casa, o autônomo Francisco (nome fictício) decidiu diminuir o uso de bebida alcoólica. "Bebia nas minhas folgas, dia sim, dia não, e isso estava me deixando cansado. Só bebo agora nos fins de semana e já comecei a economizar. Quero deixar de vez", confidencia Francisco.

Políticas públicas ainda são insuficientes

"Não existe uma tendência natural do índio para se tornar alcoólatra ou dependente químico". A afirmação é do antropólogo e professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Gerson Augusto Oliveira Júnior.

Segundo o antropólogo, a dependência de drogas lícitas e ilícitas é um problema que diz respeito à sociedade como um todo. "A destruição das referências aproxima o homem do vício e as drogas, hoje, afetam todos os segmentos da sociedade", frisa.

Para Gerson Oliveira Júnior, deveriam ser criadas políticas públicas para combater essas práticas. "No fim do século XIX e início do século XX, a sociedade americana era considerada alcoólatra. Porém, as autoridades se preocuparam em combater o vício com leis rigorosas que ainda hoje perduram", lembra.

A historiadora Ana Lúcia Tófoli também ressalta que a associação dos indígenas ao consumo de álcool e drogas contribui para uma visão estigmatizada que se construiu em torno das populações indígenas no Ceará.

"Sem dúvida, este é um tema complexo que envolve questões ligadas à saúde, segurança pública e políticas indigenistas mais eficientes, sobre os quais carecem de mais estudos qualificados em nosso Estado", afirma a historiadora.

Ana Lúcia ainda alerta sobre o fato de alguns dos povos indígenas estarem muito próximos à Capital cearense, o que contribui para o agravamento do quadro de violência. "É importante elucidar que alguns povos, como Tapeba, Pitaguary e Jenipapo-Kanindé encontram-se dentro ou muito próximos da Região Metropolitana de Fortaleza, nas imediações de indústrias e rodovias. Portanto, sujeitos aos impactos inerentes a qualquer grande cidade brasileira: violência urbana, tráfico e consumo de drogas", afirma.

Além disso, de acordo com a historiadora, a situação se torna mais grave, devido à não demarcação da maioria das terras. "Mesmo as que estão demarcadas, ainda não foram desintrusadas (retirada e indenização de pessoas não indígenas), dificultando a restrição da entrada de pessoas estranhas", destaca.

Identidade

Já o impacto do reconhecimento da identidade dos indígenas pelas comunidades do entorno pode ter várias facetas. "Isso pode variar bastante, pois ´a comunidade do entorno´ pode ser desde industriais até quem compra terrenos em loteamentos irregulares, voltados à população de baixa renda", esclarece.

Ana Lúcia chama a atenção para quem faz uso das áreas indígenas para "turismo". "As pessoas que procuram esses espaços para o lazer, muitas vezes, o fazem associado ao consumo de álcool e drogas. Via de regra, não estabelecem relações respeitosas com as populações nativas e desconsideram ou desconhecem os limites das terras".

KELLY GARCIA
REPÓRTER

sábado, 24 de setembro de 2011

Lideranças Indígenas do Ceará vem a Brasília e reforçam o apoio à Sesai


Cerca de 40 indígenas do Ceará estiveram reunidos nesta quinta-feira (22), em Brasília, junto ao Secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves de Souza, para discutir propostas para a melhoria do atendimento de saúde e saneamento básico na região e reforçar o apoio das comunidades indígenas do estado à Sesai. 
Segundo o representante da Articulação para os Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Ricardo Dourado, a visita serviu para reforçar o apoio dos indígenas do Ceará à Sesai e a gestão do secretário, Antônio Alves e também para apresentar o anseio de melhoria na saúde de mais de 22 mil índios do Ceará. “A gente sabe que o Secretário luta pela nossa causa, de melhorar a saúde indígena em todo o país, e nós apoiamos o seu trabalho. Mas também esperamos que as reivindicações feitas pelas lideranças indígenas do Ceará possam ser desenvolvidas e colocadas em prática o mais rápido possível”, destacou.

Dourado Tapeba coordenou o evento


O Secretário da Sesai, Antônio Alves, lembrou que, principalmente por questões culturais, a população indígena do nordeste ficou esquecida até pelos próprios indígenas. O resgate de identidade dos índios desta região vai fortalecer a melhoria de atendimento à saúde destes povos. “A criação da Secretaria tenta amenizar o débito que a nação brasileira têm com os índios, principalmente para com a saúde indígena. Mas gradativamente, e a Sesai é parte disso, a saúde da população indígena vai melhorar e aprimorar ainda mais para chegar a um patamar de excelência”, ressaltou.

O Secretário ainda lembrou que são várias as maneiras para aperfeiçoar o atendimento da saúde indígena. “Para se ter qualidade no atendimento deve ter a união entre a medicina convencional e  tradicional. Além disso, após a definição dos convênios para contratação de profissionais, há de se estruturar o saneamento básico e capacitar as equipes de saúde”, explicou.

Juventude indígenaA preocupação dos índios do Ceará também é o cuidado à saúde mental. Foi lembrado que novas doenças relacionadas às drogas causa apreensão às comunidades indígenas. “Dentro da formação das novas equipes de saúde do DSEI Ceará estão a contratação de psicólogos. Estes profissionais darão atenção especial às anomalias modernas como depressão e vícios, como drogas e álcool”, informou a Diretora de Atenção à Saúde da Sesai, Irânia Marques.

Controle SocialA reorganização e o fortalecimento da participação da população indígena na formulação de propostas para a melhoria da saúde nas diversas aldeias do Ceará também foi debatida. A assessora da Sesai para o Controle Social, Bianca Coelho, destacou que o fortalecimento do Controle Social é fundamental. “Com a nova eleição para a presidência do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) será possível levar novas propostas para serem aplicadas no Plano Distrital. Nos próximos meses o Condisi do Ceará vai receber capacitações para formação de conselhos locais e reuniões para discutir o regimento interno do Conselho”, informou.

Lideranças indígenas de vários povos do Ceará

Pajé Luis Caboclo


José Itamar: liderança Tremembé da TI Córrego João Pereira


Texto e imagens: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=37994